Oi pessoal, tudo bem?
Como fã de um bom thriller e tendo tido ótimas experiências com os livros da Ruth Ware, estava ansiosa pra conferir seu novo lançamento, A Volta da Chave. Vamos conhecer? 🗝
Garanta o seu!
Sinopse: Rowan Caine está desesperada. Na prisão, ela enfrenta todos os dias o terror do que viveu e do que lhe aguarda caso não consiga provar sua inocência. É por isso que decide escrever para o famoso dr. Wrexham, conhecido entre as detentas como o advogado das causas impossíveis. O problema é que descrever os acontecimentos que levaram à sua prisão não é uma tarefa nada fácil. Rowan tenta explicar tudo o que aconteceu — desde sua chegada à impressionante Residência Heatherbrae, com o aplicativo que controla as luzes, a geladeira e mesmo as câmeras presentes em cada canto da casa, até as crianças de quem deveria cuidar, muito diferentes da imagem idílica que os patrões de Rowan pintaram durante a contratação. A cada dia que passa, Rowan se vê mais e mais envolvida na atmosfera sufocante. Sozinha com crianças determinadas a afastá-la, sem ninguém mais com quem contar além do caseiro misterioso, a babá começa a ver e ouvir coisas. Apesar de sua personalidade cética, ela não consegue deixar de se perguntar se os rumores que correm pela vila a respeito de assombrações são verdadeiros…
O livro é narrado por meio das memórias de Rowan, uma babá que está aguardando julgamento na prisão, acusada do assassinato de uma das crianças da família Elincourt, pelas quais era responsável. Essas memórias estão sendo transcritas em uma carta para o Sr. Wrexham, conhecido pelas detentas como o “advogado das causas impossíveis”, e Rowan espera que, se for sincera sobre tudo que aconteceu na casa dos Elincourt, ele vá aceitar defendê-la. Esse é o gatilho para Rowan voltar ao passado e relembrar uma experiência que mistura uma sensação de vigilância constante em uma casa inteligente hiperconectada com um passado assombroso repleto de histórias sobrenaturais que assustaram todas as babás que por lá passaram. Teria a morte da criança um motivo inexplicável também? Rowan seria mais uma vítima dessa casa? Ou sua história é uma tentativa vã de construir uma narrativa que a inocente? É em torno dessas perguntas que o livro gira, tentando captar a curiosidade do leitor.
Eu adoro histórias com ambiguidades e também protagonistas não confiáveis, como acontece aqui. Desde o início, Rowan já avisa: ela não é a imagem de babá perfeita, apaixonada por crianças, que sempre faz as escolhas certas e tem a postura ideal. Isso obviamente faz com que o leitor (e, ela supõe, o advogado) tenha um certo pé atrás a respeito de sua inocência, ou seja, a protagonista não ganha a nossa plena confiança logo de cara como um privilégio nato. Porém, aos poucos, conforme ela vai relatando o processo pelo qual ela passou para se candidatar à vaga de babá na casa da família Elincourt, sua entrevista, sua adaptação com as crianças e sua nova rotina na casa, começamos a confiar na sua inocência e acreditar que ela não é uma assassina e que algo sombrio de fato aconteceu lá.
Rowan é contratada por Sandra e Bill Elincourt, ainda que somente Sandra se dê ao trabalho de entrevistá-la. Os dois são arquitetos e reformaram completamente uma mansão vitoriana isolada na Escócia, construindo um espaço anacrônico: enquanto parte da casa manteve o padrão antigo, seguindo à risca os moldes dos séculos passados, outra parte foi simplesmente demolida e reconstruída com o que há de mais moderno na arquitetura. Além disso, tudo no local é conectado a um aplicativo, há câmeras em todos os ambientes e esse mesmo sistema controla do sistema de segurança até a máquina de café. É opressor e sufocante, e Rowan se encanta com essa modernidade ao mesmo tempo que se assusta com ela. Porém, seu desejo de fazer parte daquele mundo é muito maior que qualquer desconforto, e ela aceita o emprego mesmo sabendo das red flags da casa e também das babás anteriores, que se assustaram com algumas lendas urbanas envolvendo mortes ocorridas no local. E aproveito esse parágrafo pra fazer minha primeira crítica negativa ao enredo: Ruth Ware faz uma salada mista aqui cujos sabores simplesmente não se completam de maneira harmoniosa.
Havia duas opções com potencial aqui: uma delas era ir com tudo em uma história que focasse na problemática do excesso de tecnologia, de como a vigilância constante que uma casa inteligente promove pode ultrapassar limites antiéticos, enfim… há todo um universo que gira em torno desse universo. Por outro lado, há também o lado sobrenatural da história: a mansão tem um histórico de pessoas que morreram nela, existe um jardim no terreno cheio de plantas venenosas que levaram à morte de uma garotinha e que gerou a uma lenda urbana de que o fantasma dela ainda assombra a casa, assim como o fantasma de seu pai, que caminha pela casa arrependido e culpado pela morte da filha (já que ele era um químico que estudava tais plantas venenosas). Essa história também tem muito pano pra manga, e é justamente onde Ruth Ware escolhe focar, portanto o plot da casa inteligente acaba ficando em segundo plano e me causou uma sensação de “poxa vida, então pra quê essa história tá aqui? Precisava mesmo perder tempo com isso? Não podia focar só na parte que importa?”. O mesmo anacronismo da obra que Sandra e Bill fizeram na casa eu senti na construção do enredo de A Volta da Chave, e eu não digo isso como um elogio.
Outro ponto que infelizmente não me ganhou nesse livro foi a dinâmica de Rowan com as crianças. Sandra e Bill viajam logo que Rowan chega, deixando a babá sozinha com suas três filhas mais novas (Maddie, Ellie e Petra). Chamar de irresponsáveis é pouco, eu diria, mas tudo bem, vamos seguir o baile. Acontece que Rowan parece nunca ter sido babá na vida – o que não é o caso, já que ela trabalhava numa creche. As meninas estão traumatizadas pela alta rotatividade das babás, e isso é compreensível, o que faz com que Maddie e Ellie (as mais velhas) sejam mais resistentes. Mas, independentemente disso, Rowan passa o livro inteiro num embate constante com as meninas, e sempre perdendo todos eles. Ela não consegue exercer sua autoridade em nenhum momento, não consegue controlar as situações e tampouco a narrativa que deve ser reportada a Sandra, o que é enervante. Some isso ao fato de que ela cria um crush no faz-tudo da residência, Jack, e aí o circo está montado: é muuuito difícil visualizar Rowan como uma pessoa competente e que deveria estar exercendo o papel de babá. Ou seja, como leitora, passei a acreditar na inocência dela em relação ao assassinato, mas não tinha total certeza se ela não era alguém despreparada e negligente.
Entrando no aspecto sobrenatural da história, o livro foca bastante em construir o cansaço mental de Rowan. Ela começa a escutar ruídos de passos vindos de uma porta trancada no seu quarto, a qual ela própria não tem a chave, mas que parece dar em um sótão. Além disso, coisas estranhas começam a acontecer, como campainhas tocarem sozinhas, luzes se acenderem, música alta tocar de madrugada, entre outras ocorrências assim. Aí você me pergunta: não pode ser bug do aplicativo? Sim, foi o que pensei, e é por isso que o plot da casa inteligente me incomodou. Pra mim, ele atrapalhou a sensação de medo que o enredo da assombração deveria causar, porque eu ficava me perguntando se não era nenhuma das crianças (Maddie, especialmente, que era mais velha e não gostava de Rowan) aprontando. Até nisso a escolha de misturar as narrativas acabou se atrapalhando. 😦
Por fim, devo dizer que o final me chocou bastante, e eu gostei muito da escolha de quem morreu e de quem era responsável por isso (só descobrimos essas identidades no final da história, ainda que eu desconfiasse de quem seria a vítima, mas não fizesse ideia de quem seria a pessoa culpada). Achei os motivos bem plausíveis e a forma como aconteceu também, e eu costumo dar pontinhos a mais para os autores quando eles conseguem concluir bem suas histórias. Entretanto, Ruth Ware fez sua protagonista tomar uma decisão que, na minha opinião, era totalmente descabida, pautada em uma conexão que não se sustentava. Selecione a frase seguinte se quiser ler: eu, no lugar de Rowan, jamais sacrificaria o que ela sacrificou pra proteger uma pessoa com quem eu convivi tão pouco tempo, independentemente dos laços sanguíneos. Ela recém havia conhecido aquela pessoa e, de qualquer modo, a justiça não faria nada com ela além de fornecer apoio psicológico. No lugar de Rowan, eu revelaria a verdade. Fim do comentário revelador rs.
A Volta da Chave é um livro com uma premissa que prometeu bastante, mas que não entregou aquilo que eu esperava. Rowan não é uma protagonista cativante. Senti empatia por sua situação e gostaria que ela tivesse um destino positivo em sua tentativa de convencer o advogado por meio das cartas, mas não pude deixar de me irritar com ela em vários momentos ao longo da leitura. Na minha avaliação, Ruth Ware pecou muito ao andar em círculos com sua história, além de misturar duas propostas muito diferentes que “competiram” entre si e não agregaram à obra. Infelizmente, não foi minha melhor experiência com a autora, então sigo recomendando A Mulher na Cabine 10 e A Morte da Sra. Westway – meus favoritos dela – pra quem quiser entrar em contato com sua escrita. 😉
Título original: The Turn of the Key
Autora: Ruth Ware
Editora: Rocco
Número de páginas: 304
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Livro cedido em parceria com a editora.
Esse não é um publipost, e a resenha reflete minha opinião sincera sobre a obra.