Oi pessoal, tudo bem?
Após ver muitos elogios no bookstagram, estava com as expectativas bem altas pra ler As Garotas Que Eu Fui, um thriller psicológico com um público-alvo mais adolescente que em breve vai virar filme da Netflix. Vamos conhecer?
Sinopse: O nome dela é Nora… no momento. Ela já foi muitas outras garotas: Rebecca, Samantha, Haley, Katie e Ashley. A vida de mentiras não foi sua escolha, e sim sua herança enquanto filha de uma golpista. A criminosa, cujos alvos sempre foram homens fora da lei, usava a filha como acessório em todos os seus trambiques. Mas quando um dos esquemas da mãe se transformou em paixão, Nora resolveu que era a sua vez de aplicar um golpe e desapareceu. Já faz cinco anos que Nora finge ser normal, mas ela sabe que, na sua vida, as coisas nunca permanecem calmas por muito tempo. Em meio a uma situação que já era esquisita, junto com o ex-namorado e a amiga deles (com quem ela está saindo atualmente), Nora se vê vítima de um assalto a banco. Por um lado, ela sabe que tem a lábia necessária para tirar os reféns vivos dali. Por outro, os assaltantes não sabem quem ela realmente é – uma garota que tem muito a esconder…
Considerando que a sinopse resume bem o cerne da história, vou partir direto para minhas impressões a respeito do livro. A narrativa de Tess Sharpe é bastante ágil, e o primeiro ponto positivo a me chamar a atenção foram os capítulos curtos, que conferem dinamismo à história. Nora, sua namorada Iris e seu ex-namorado/melhor amigo Wes se veem vítimas de um assalto a banco junto de algumas poucas pessoas e toda a história no tempo presente se passa em torno da angústia dos personagens de não saberem se irão ou não sobreviver à situação. Os assaltantes – apelidados por Nora de Boné Cinza, o líder, e Boné Vermelho, o lacaio – são violentos e estão sem máscara, o que a leva a crer que não têm nada a perder. Isso faz com que os instintos de sobrevivência da protagonista se ativem na potência máxima, trazendo seu passado (e sua identidade como golpista) à tona, algo que até então apenas Wes conhecia. Entre o drama de Iris descobrir o seu segredo e Nora tentar enganar os bandidos na lábia, a autora também nos leva à melhor parte da história: os flashbacks das identidades anteriores da protagonista, todas as garotas que sua mãe a obrigou a ser desde a mais tenra idade para auxiliá-la a enganar os piores tipos de homens.
Nora cresceu sendo usada pela sua mãe, Abby, uma mulher que ganhava a vida dando golpes do baú em homens criminosos. E Nora não foi a primeira a ser criada assim: sua irmã mais velha, Lee, veio antes dela, e passou por atrocidades tão ruins quanto. Foi graças a Lee que Nora pôde escapar das garras da Abby, pois ela bolou o plano que permitiu colocar a mãe e o marido atrás das grades e conseguir a guarda da irmã. Esse marido foi a chave para a liberdade de Nora, mas também é a grande ameaça que paira sobre sua cabeça: o nome dele é Robert Keane, um criminoso de grande interesse do FBI, responsável por crimes como assassinatos, chantagem, corrupção, tráfico, etc. Contudo, mesmo da prisão ele ainda exerce grande poder sobre sua rede de contatos, e se descobrir que a enteada ainda está viva, certamente mandará alguém atrás dela para matá-la. Robert foi o único homem que Abby amou, e ela o colocou à frente do bem-estar da própria filha. Ela permitiu que Robert as agredisse, as controlasse e, se ele quisesse, também permitiria que as matasse.
Mas Robert não foi o único homem que marcou a vida de Nora com violência. Inclusive, esse é um gatilho importante de ser mencionado: As Garotas Que Eu Fui é um livro essencialmente sobre abuso. Nora sofreu todos os tipos de violência possíveis, da psicológica à física e à sexual. Mas se você pensa que apenas os homens que eram os alvos dos golpes do baú de Abby foram responsáveis por ferir a protagonista, devo dizer que você está enganado. Talvez a principal pessoa a machucá-la profundamenta seja justamente sua mãe. Considero o abuso parental essencial de ser discutido, porque a influência de Abby é sentida em cada linha e em cada reflexão da narração de Nora. O leitor percebe que a protagonista deseja a aprovação da mãe mais do que tudo na vida, que ela foi uma criança que queria agradar a todo custo, que desejava ser amada e ser fonte de orgulho para Abby, mesmo que fosse tratada como um mero acessório nos golpes. Abby fez com que Nora dissociasse de sua personalidade, forçando-a a ser uma criança que assumia diferentes identidades e características a seu bel-prazer, de acordo com seu objetivo e com o homem que queria conquistar. Pior: Abby permitia que Nora fosse vítima de violências variadas ao longo dos anos, e a fazia se sentir culpada caso não aguentasse suportar alguma delas. O nível de distorção psicológica que isso causa na protagonista é muito profundo, e a autora toma a decisão acertada de mostrar que Nora precisa de ajuda e de muita terapia pra começar a superar essas feridas abertas.
O passado de Nora e as consequências psicológicas do abuso são tão interessantes que acabam tendo um revés meio negativo no livro: o plot do assalto a banco se torna desinteressante. Não existe um verdadeiro plot twist muito marcante nem uma sensação que cause verdadeira aflição nos capítulos em que Nora interage com os bandidos. Eu, pelo menos, não senti nenhuma sensação parecida durante essas cenas. Parte do meu desinteresse com esse plot também envolve meu desinteresse nos personagens envolvidos nele: Iris, por exemplo, eu achei um tédio. Ela é o estereótipo de Manic Pixie Dream Girl e, mesmo que a representatividade bissexual seja um ponto super positivo, não consegui comprar a paixão entre as duas e a química simplesmente não rolou. A conexão com Wes foi muito mais verdadeira, e a autora dedicou muito mais tempo em construir o elo entre Nora e ele do que entre Nora e Iris, por mais que ela tente forçar o amor entre as duas. Wes, além de ter sido o primeiro amor dela e o primeiro homem do qual ela não precisou se proteger, também foi uma pessoa que compartilhou da mesma dor que ela – a dor do abuso parental. A profundidade da relação dos dois me convenceu bem mais e, mesmo como amigos, gostei muito mais da interação deles, o que me fez achar que Iris era um elemento bastante dispensável.
As Garotas Que Eu Fui é um livro que poderia ser um pouco mais curto, especialmente no plot do banco, que achei que se arrastou por tempo demais. Entretanto, gostei muito de toda a história do passado de Nora e da forma como Tess Sharpe trabalhou o enredo de uma criança crescendo como filha de uma golpista e as consequências de ser moldada por uma mãe narcisista. Apesar das frases de efeito de Nora sobre ser perigosa (que por vezes me cansavam um pouco rs), eu gostei bastante dela como personagem. Ela é muito humana, tem empatia, ainda luta contra os próprios traumas e suas reações fazem sentido. Além disso, ela não é idealizada, tendo defeitos e pequenas falhas de caráter que me fizeram gostar ainda mais dela, justamente por mostrar que ela não é perfeita e nem deseja ser. Apesar do final aberto (característica da qual eu não gosto muito), a autora passa uma mensagem clara: Nora está pronta para a luta, assim como a maioria de nós, mulheres, somos ensinadas desde muito cedo a estar. Apesar de não ser um livro inesquecível, gostei muito de conhecer Nora e fiquei orgulhosa de ver quão longe ela chegou no seu processo de cura. 🙂
Título original: The Girls I’ve Been
Autora: Tess Sharpe
Editora: Rocco
Número de páginas: 352
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