Dica de Série: The Last of Us

Oi pessoal, tudo bem?

Ainda que o timing esteja um pouquinho atrasado, não poderia deixar de falar sobre The Last of Us, uma das séries que ganharam o público e a crítica esse ano – com razão. Muito aguardada por quem já era fã do jogo, ela também fez um ótimo trabalho em conquistar quem não era, e eu me enquadro nesse público. Vamos falar a respeito?

Sinopse: Vinte anos após a queda da civilização, Joel é contratado pra tirar Ellie de uma zona de quarentena perigosa. O que começa como um pequeno trabalho, logo se transforma em uma jornada brutal pela sobrevivência.

Faz um tempo que histórias pós-apocalípticas não me interessam mais. Sendo um pouquinho mais específica, desde que The Walking Dead (da qual já fui muito fã) perdeu totalmente minha atenção e eu dropei. Por isso, mesmo sabendo que The Last of Us vinha de um jogo cuja história era elogiadíssima, temi que fosse sentir a mesma monotonia que TWD me causou, o que felizmente não aconteceu. The Last of Us compartilha da melhor fase de The Walking Dead, da época em que a série mais me cativava, trazendo dois elementos dos quais eu sentia muita falta nesse tipo de produção: a aflição pura pelo medo real de algo possa acontecer com os personagens e o foco total no desenvolvimento psicológico deles e na construção de suas relações. Essa combinação faz de The Last of Us uma série que se desenvolve lentamente, mas com doses de adrenalina bem colocadas.

A história gira em torno de Joel e Ellie, uma dupla que se une contra a própria vontade. No futuro em que eles vivem, a humanidade foi quase dizimada por um fungo – que existe e se chama Cordyceps, mas na série ele evoluiu para uma versão muito mais violenta, capaz de controlar o corpo dos seres humanos –, e os sobreviventes vivem em colônias controladas por um exército ditatorial, a FEDRA. Contra essa forma de governo estão os Vagalumes, um grupo rebelde que deseja a liberdade, e Ellie é feita de refém por esse grupo, que acredita na possibilidade dela ser a chave para uma possível cura. Joel, por motivos particulares (e por seu posicionamento político neutro, aliando-se a quem for necessário para sobreviver), aceita escoltar Ellie até uma base dos Vagalumes, mesmo sem ter a menor simpatia pela garota e não desejar se aproximar de ninguém devido aos próprios traumas e perdas. Com o tempo, porém, os dois vão criando um vínculo que vai além da sobrevivência.

Eu amei demais a performance de Pedro Pascal como Joel e Bella Ramsey como Ellie. Não joguei o jogo pra comparar, mas as emoções que eles transmitem na série pra mim são completamente críveis em relação ao que ambos viveram. Joel é um personagem que teve a pior perda possível: no primeiro episódio da série, em meio ao caos do apocalipse acontecendo, ele perde sua filha, a quem ele amava mais do que tudo no mundo. A série tem um salto temporal de 20 anos a partir daí, e é perceptível o quanto ele fechou o seu coração devido ao ocorrido. Mesmo que no presente ele tenha uma companheira (Tess), que também deixa uma marca profunda em Joel, é nítido que nada é tão doloroso pra ele quanto a perda da jovem Sarah. E isso torna ainda mais difícil a aproximação com Ellie, porque o papel de pai que ele exercera no passado não é algo que ele deseje pra si novamente, ou até mesmo que ele sinta ser capaz. Ele não tem a menor pretensão de se aproximar da garota, mas conforme ela vai conquistando sua simpatia e, com o tempo, o seu afeto, as coisas vão se transformando contra a sua vontade e Joel ganha uma segunda chance.

Ellie, por sua vez, é uma jovem que foi treinada a vida toda pra fazer parte do exército, a FEDRA. Mas mesmo sendo tão jovem, ela também enfrentou perdas significativas: cresceu sem os pais, perdeu amigos, teve pouquíssimo afeto destinado a si mesma e, no presente, tornou-se uma espécie de moeda de troca. Ela tem muita dificuldade em acreditar que Joel também não vai abandoná-la, mas sua forma de lidar com tudo que sente é com hostilidade ou com excesso de humor. Demora até que ela consiga se abrir, e quando vemos os lampejos da sua fragilidade fica claro para o espectador (e para Joel) que ela é apenas uma criança.

Mas para além da dupla de protagonistas, The Last of Us consegue fazer a proeza de te fazer se apaixonar, se apegar e depois te deixar em lágrimas por personagens que você conhece em um único episódio. Sendo mais específica, o terceiro. Sim, o polêmico, que causou o maior burburinho quando saiu porque tem um monde de nerdola homofóbico por aí que não consegue admirar a beleza de uma história de amor bem contada só porque quem a protagoniza é gay. O terceiro episódio de The Last of Us é um dos mais bonitos a que assisti em muito tempo, com um romance comovente entre Frank e Bill, dois homens que não poderiam ser mais diferentes e, ainda assim, encontram um no outro a salvação e o amor necessários para viver cada dia. Eu literalmente trouxe um rolo de papel higiênico para o braço do sofá enquanto assistia esse episódio de tantas lágrimas que eu chorei, precisava secar os olhos e assoar o nariz com frequência, me emocionei demais com a delicadeza dessa história. A beleza do romance e o final agridoce desse episódio são inesquecíveis e, sinceramente, só por esse episódio a temporada inteira já valeu. Mas não pensem que foi a única história marcante a ser contada: The Last of Us mexe conosco em praticamente cada episódio. Quando conhecemos os irmãos Henry e Sam, por exemplo, um pedaço do nosso coração fica naquele episódio, e eles nos fazem questionar o que é ser humano, afinal. Enfim, se eu ficar me alongando sobre todas as emoções causadas pelos personagens de The Last of Us, vai ser impossível parar de digitar.

Mesmo que você não se identifique com histórias pós-apocalípticas, sugiro que você dê uma chance a The Last of Us. Ela utiliza a infestação de Cordyceps como pano de fundo para construir relações entre personagens e questionamentos sobre quem somos. É uma série que faz você pensar sobre o que realmente vale a pena na vida, colocando diversas coisas em perspectiva por meio de uma situação extrema. Além disso, tem dois protagonistas carismáticos – com aquela dinâmica perfeita e divertida entre um grumpy e uma sunshine – que nos conquistam sem esforço. Vale a pena conferir!

Título original: The Last of Us
Ano de lançamento: 2023
Criação: Craig Mazin, Neil Druckmann
Elenco: Pedro Pascal, Bella Ramsey, Anna Torv, Lamar Johnson, Melanie Lynskey, Nico Parker, Keivonn Woodard, Merle Dandridge, Nick Offerman, Murray Bartlett

Dica de Série: Rainha Charlotte: Uma História Bridgerton

Oi pessoal, tudo bem?

Confesso que inicialmente não hypei no anúncio do spin-off Rainha Charlotte: Uma História Bridgerton (mesmo sendo fã da série Bridgerton), mas acabei dando uma chance pra série durante as férias e cá estou pra me redimir e indicar pra vocês essa produção que, sim, conseguiu trazer uma história mais profunda e madura do que o material de origem. ❤ Vamos conhecer?

Sinopse: Neste spin-off, o casamento da rainha Charlotte com o rei George é muito mais que uma história de amor: é uma transformação na alta sociedade do universo de Bridgerton.

A série tem como foco duas linhas do tempo: no passado, conhecemos a origem da rainha, como ela foi trazida para conhecer o rei George, o início de seu casamento, a doença do rei, a construção do amor deles, mas também todo o impacto que essa união teve na sociedade inglesa na época; no presente, acompanhamos Charlotte constantemente preocupada em saber se George morreu ou não, e também com o futuro da sua família, pois infelizmente a esposa de seu filho mais velho e seu neto faleceram, e agora não há um herdeiro legítimo ao trono e ela precisa que algum de seus filhos se case e gere uma criança. O impacto da linha do tempo presente provavelmente vai refletir na próxima temporada de Bridgerton, já que existem interações entre Lady Danbury e Violet Bridgerton também, mas o que realmente fisga o espectador é a timeline do passado, em que descobrimos como a sociedade chegou ao ponto que vimos lá na primeira temporada da série de origem, além de ser também a linha do tempo que nos revela a história de amor que – até então – só tinha sido levemente abordada, e o espectador tinha apenas pequenas peças que possibilitavam saber que Charlotte e George se amavam muito, mas sem conhecer a fundo seu passado.

Devo dizer que eu esperava uma série bastante romântica, justamente por saber que Charlotte viveu uma vida devotada a George. O modo como a doença dele foi apresentada em Bridgerton, e o cuidado que ela tem com a situação, mostra uma ternura que já indicava que ali existia um sentimento muito verdadeiro. Para a minha surpresa, Rainha Charlotte é uma série que foca muito pouco no romance. Nos três primeiros episódios, o casal protagonista mal se fala! Eles compartilham uma cena muito fofa quando se conhecem, aí logo se casam (pois Charlotte é trazida à Inglaterra já como uma noiva prometida ao rei) e brigam logo após a cerimônia, quando George se recusa a dormir com ela e morar na Casa Buckingham. Charlotte passa dias e dias a fio solitária, sentindo-se abandonada e com a sensação de que falhou como esposa, arrependida de ter se casado e com uma sensação de amargura muito profunda. Posteriormente, a série nos apresenta os primeiros episódios pelo ponto de vista de George, e é nesse momento que o espectador tem seu coração partido em mil pedacinhos: finalmente entendemos o motivo pelo qual ele tomou tais decisões e o que George realmente esteve fazendo enquanto se manteve distante da rainha. Ainda assim, isso não muda o fato de que, ao longo dos 6 episódios, a maior parte do tempo os dois passam separados. Tanto que eu demorei bastante a acreditar que Charlotte já estivesse apaixonada por George, mesmo sabendo que a recíproca fosse verdadeira; foi apenas no fim da temporada que senti de verdade esse amor acontecendo, e quando ele veio, ele veio arrebatador. O último episódio de Rainha Charlotte – em especial, a última cena – é de arrepiar, e eu chorei de soluçar. É linda, sensível, cheia de referências a coisas importantes na história do casal e dá uma sensação agridoce muito marcante. É um final primoroso, e ao mesmo tempo em que parte o nosso coração, ele também nos dá um pouquinho de esperança, revelando um lampejo da sanidade de George e o profundo amor que os conecta desde a juventude.

Uma surpresa de Rainha Charlotte diz respeito à doença do rei, que esteve presente ao longo de todo o relacionamento dos dois. De certo modo, esperei por um romance arrebatador que, talvez no final, fosse ser atrapalhado pela descoberta dos sintomas, o que não ocorreu. Isso traz um peso emocional muito mais intenso do que as temporadas prévias de Bridgerton (por exemplo) haviam apresentado, e Charlotte e George lidam com uma pressão em seu relacionamento que vai muito além do peso da responsabilidade de governarem a Grã-Bretanha. O fato deles serem tão jovens e já serem marcados por esse desafio torna tudo ainda mais difícil, porque o espectador descobre que a vida do casal foi marcada por um obstáculo instransponível. Por outro lado, saber que George encontrou uma parceira capaz de amá-lo sob todas as circunstâncias, e de aceitar todas as suas facetas, também é acalentador. Além disso, esse plot mexe muito com quem assiste por mostrar a terrível face dos tratamentos psiquiátricos da época, que eram baseados na mais pura tortura. A barbárie que George enfrenta é revoltante, e saber que muito disso foi perpetrado durante séculos é de embrulhar o estômago. Pessoas que tinham condições mentais ainda mais instáveis, incapazes de se defender, sofreram muito mais nas mãos de médicos que faziam os piores experimentos em nome de “curar a mente”, e ver isso refletido na série é bastante impactante.

Mas se eu disse que Rainha Charlotte foca pouco no romance (pelo fato de Charlotte e George passarem bastante tempo afastados ou brigados), no que ela foca? Na minha opinião, no impacto social que ter uma rainha negra causou na sociedade inglesa no universo fictício de Bridgerton. Charlotte faz amizade com a jovem Lady Danbury, que ganha o título graças à mãe de George, a princesa-viúva Augusta. Esse título é fornecido ao marido de Agatha Danbury pra mostrar ao Parlamento que o intuito de casar George com uma mulher de pele escura foi intencional – o que eles chamam de Grande Experimento. O “escurecimento” da corte é um movimento político que Augusta faz pra que não haja dúvidas de que tudo foi planejado previamente (o que não é verdade, pois ela imaginava que a pele de Charlotte fosse mais clara). Ainda assim, uma vez que se torna Lady Danbury, Agatha usufrui desse título com muita sabedoria, negociando seus direitos com Augusta em troca de informações e garantindo que aquilo que é fornecido aos lordes brancos também seja fornecido ao seu marido e à sua família. O plot de Lady Danbury é extremamente interessante: ela odeia o marido, que pratica estupro marital constantemente, mas quando ele morre (afinal, é um idoso) ela se vê bastante perdida com a total liberdade que passa a ter, considerando que foi prometida a ele aos 3 anos de idade e toda a sua vida girou em torno dele e de seus gostos pessoais. Agatha é uma mulher que precisa reaprender sobre si mesma e entender o que é ter seu próprio espaço no mundo, além de lutar com unhas e dentes pra não perder seus privilégios e garantir os seus direitos. Sua amizade com Charlotte também é muito bacana, porque ela consegue conscientizar a rainha da importância que ela tem ao servir de exemplo para a corte e para a sociedade como a primeira mulher negra em sua posição. Adorei acompanhar sua evolução e sua história de origem e terminei a série admirando-a ainda mais como personagem.

Além de tudo, é claro que Rainha Charlotte mantém o mesmo nível de excelência de Bridgerton no que diz respeito à trilha sonora e belos figurinos. Há também representatividade LGBTQIA+ por meio de Brimsley, o leal braço direito de Charlotte, e Reynolds, também leal valete de George. Em relação às cenas de sexo, achei menos calientes quando comparadas às da série original. Quem assistiu, o que achou? 👀

Em resumo, quebrando várias das minhas expectativas, Rainha Charlotte: Uma História Bridgerton me surpreendeu demais, de uma forma totalmente positiva. Eu esperava uma coisa e encontrei outra, muito mais profunda, bem trabalhada e complexa. Amei isso! A série trata de saúde mental, de mudanças sociais, de racismo, de um amor que é construído com o tempo e que também perdura com o tempo. É uma história sobre aceitar quem amamos em todas as suas facetas, mesmo aquelas que a própria pessoa não aceita e das quais ela quer fugir. É uma história inspiradora e muito bonita, que me emocionou muito mais do que pensei que poderia quando dei um “play” tão despretensioso. Se tornou minha temporada favorita no universo Bridgerton! ❤ Recomendadíssima!

Título original: Queen Charlotte: A Bridgerton Story
Ano de lançamento: 2023
Direção: Tom Verica
Elenco:India Amarteifio, Corey Mylchreest, Arsema Thomas, Golda Rosheuvel, Adjoa Andoh, Michelle Fairley, Ruth Gemmell, Sam Clemmett, Freddie Dennis, Hugh Sachs

Resenha: As Garotas Que Eu Fui – Tess Sharpe

Oi pessoal, tudo bem?

Após ver muitos elogios no bookstagram, estava com as expectativas bem altas pra ler As Garotas Que Eu Fui, um thriller psicológico com um público-alvo mais adolescente que em breve vai virar filme da Netflix. Vamos conhecer?

Garanta o seu!

Sinopse: O nome dela é Nora… no momento. Ela já foi muitas outras garotas: Rebecca, Samantha, Haley, Katie e Ashley. A vida de mentiras não foi sua escolha, e sim sua herança enquanto filha de uma golpista. A criminosa, cujos alvos sempre foram homens fora da lei, usava a filha como acessório em todos os seus trambiques. Mas quando um dos esquemas da mãe se transformou em paixão, Nora resolveu que era a sua vez de aplicar um golpe e desapareceu. Já faz cinco anos que Nora finge ser normal, mas ela sabe que, na sua vida, as coisas nunca permanecem calmas por muito tempo. Em meio a uma situação que já era esquisita, junto com o ex-namorado e a amiga deles (com quem ela está saindo atualmente), Nora se vê vítima de um assalto a banco. Por um lado, ela sabe que tem a lábia necessária para tirar os reféns vivos dali. Por outro, os assaltantes não sabem quem ela realmente é – uma garota que tem muito a esconder…

Considerando que a sinopse resume bem o cerne da história, vou partir direto para minhas impressões a respeito do livro. A narrativa de Tess Sharpe é bastante ágil, e o primeiro ponto positivo a me chamar a atenção foram os capítulos curtos, que conferem dinamismo à história. Nora, sua namorada Iris e seu ex-namorado/melhor amigo Wes se veem vítimas de um assalto a banco junto de algumas poucas pessoas e toda a história no tempo presente se passa em torno da angústia dos personagens de não saberem se irão ou não sobreviver à situação. Os assaltantes – apelidados por Nora de Boné Cinza, o líder, e Boné Vermelho, o lacaio – são violentos e estão sem máscara, o que a leva a crer que não têm nada a perder. Isso faz com que os instintos de sobrevivência da protagonista se ativem na potência máxima, trazendo seu passado (e sua identidade como golpista) à tona, algo que até então apenas Wes conhecia. Entre o drama de Iris descobrir o seu segredo e Nora tentar enganar os bandidos na lábia, a autora também nos leva à melhor parte da história: os flashbacks das identidades anteriores da protagonista, todas as garotas que sua mãe a obrigou a ser desde a mais tenra idade para auxiliá-la a enganar os piores tipos de homens.

Nora cresceu sendo usada pela sua mãe, Abby, uma mulher que ganhava a vida dando golpes do baú em homens criminosos. E Nora não foi a primeira a ser criada assim: sua irmã mais velha, Lee, veio antes dela, e passou por atrocidades tão ruins quanto. Foi graças a Lee que Nora pôde escapar das garras da Abby, pois ela bolou o plano que permitiu colocar a mãe e o marido atrás das grades e conseguir a guarda da irmã. Esse marido foi a chave para a liberdade de Nora, mas também é a grande ameaça que paira sobre sua cabeça: o nome dele é Robert Keane, um criminoso de grande interesse do FBI, responsável por crimes como assassinatos, chantagem, corrupção, tráfico, etc. Contudo, mesmo da prisão ele ainda exerce grande poder sobre sua rede de contatos, e se descobrir que a enteada ainda está viva, certamente mandará alguém atrás dela para matá-la. Robert foi o único homem que Abby amou, e ela o colocou à frente do bem-estar da própria filha. Ela permitiu que Robert as agredisse, as controlasse e, se ele quisesse, também permitiria que as matasse.

Mas Robert não foi o único homem que marcou a vida de Nora com violência. Inclusive, esse é um gatilho importante de ser mencionado: As Garotas Que Eu Fui é um livro essencialmente sobre abuso. Nora sofreu todos os tipos de violência possíveis, da psicológica à física e à sexual. Mas se você pensa que apenas os homens que eram os alvos dos golpes do baú de Abby foram responsáveis por ferir a protagonista, devo dizer que você está enganado. Talvez a principal pessoa a machucá-la profundamenta seja justamente sua mãe. Considero o abuso parental essencial de ser discutido, porque a influência de Abby é sentida em cada linha e em cada reflexão da narração de Nora. O leitor percebe que a protagonista deseja a aprovação da mãe mais do que tudo na vida, que ela foi uma criança que queria agradar a todo custo, que desejava ser amada e ser fonte de orgulho para Abby, mesmo que fosse tratada como um mero acessório nos golpes. Abby fez com que Nora dissociasse de sua personalidade, forçando-a a ser uma criança que assumia diferentes identidades e características a seu bel-prazer, de acordo com seu objetivo e com o homem que queria conquistar. Pior: Abby permitia que Nora fosse vítima de violências variadas ao longo dos anos, e a fazia se sentir culpada caso não aguentasse suportar alguma delas. O nível de distorção psicológica que isso causa na protagonista é muito profundo, e a autora toma a decisão acertada de mostrar que Nora precisa de ajuda e de muita terapia pra começar a superar essas feridas abertas.

O passado de Nora e as consequências psicológicas do abuso são tão interessantes que acabam tendo um revés meio negativo no livro: o plot do assalto a banco se torna desinteressante. Não existe um verdadeiro plot twist muito marcante nem uma sensação que cause verdadeira aflição nos capítulos em que Nora interage com os bandidos. Eu, pelo menos, não senti nenhuma sensação parecida durante essas cenas. Parte do meu desinteresse com esse plot também envolve meu desinteresse nos personagens envolvidos nele: Iris, por exemplo, eu achei um tédio. Ela é o estereótipo de Manic Pixie Dream Girl e, mesmo que a representatividade bissexual seja um ponto super positivo, não consegui comprar a paixão entre as duas e a química simplesmente não rolou. A conexão com Wes foi muito mais verdadeira, e a autora dedicou muito mais tempo em construir o elo entre Nora e ele do que entre Nora e Iris, por mais que ela tente forçar o amor entre as duas. Wes, além de ter sido o primeiro amor dela e o primeiro homem do qual ela não precisou se proteger, também foi uma pessoa que compartilhou da mesma dor que ela – a dor do abuso parental. A profundidade da relação dos dois me convenceu bem mais e, mesmo como amigos, gostei muito mais da interação deles, o que me fez achar que Iris era um elemento bastante dispensável.

As Garotas Que Eu Fui é um livro que poderia ser um pouco mais curto, especialmente no plot do banco, que achei que se arrastou por tempo demais. Entretanto, gostei muito de toda a história do passado de Nora e da forma como Tess Sharpe trabalhou o enredo de uma criança crescendo como filha de uma golpista e as consequências de ser moldada por uma mãe narcisista. Apesar das frases de efeito de Nora sobre ser perigosa (que por vezes me cansavam um pouco rs), eu gostei bastante dela como personagem. Ela é muito humana, tem empatia, ainda luta contra os próprios traumas e suas reações fazem sentido. Além disso, ela não é idealizada, tendo defeitos e pequenas falhas de caráter que me fizeram gostar ainda mais dela, justamente por mostrar que ela não é perfeita e nem deseja ser. Apesar do final aberto (característica da qual eu não gosto muito), a autora passa uma mensagem clara: Nora está pronta para a luta, assim como a maioria de nós, mulheres, somos ensinadas desde muito cedo a estar. Apesar de não ser um livro inesquecível, gostei muito de conhecer Nora e fiquei orgulhosa de ver quão longe ela chegou no seu processo de cura. 🙂

Título original: The Girls I’ve Been
Autora:
Tess Sharpe
Editora: Rocco
Número de páginas: 352
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Livro cedido em parceria com a editora.
Esse não é um publipost, e a resenha reflete minha opinião sincera sobre a obra.

Resenha: Chrno Crusade – Daisuke Moriyama

Oi pessoal, tudo bem?

Depois de um tempo sem nenhuma otakice por aqui, vim compartilhar com vocês minha opinião sobre um mangá que comprei há cerca de 10 anos, mas que só li agora: Chrno Crusade!

Sinopse: A história se passa no final dos anos 1920 nos EUA. O grande desenvolvimento econômico dos EUA faz com que a ganância domine cada vez mais seres humanos. Este se torna um ambiente ideal para os demônios fazerem suas maldades: enquanto fingem ajudar os humanos, na realidade se utilizam destes para os seus próprios objetivos. Para enfrentar tamanho mal, a igreja católica criou a Ordem de Magdala, cujos membros (padres, freiras e etc) têm a função de exorcizar e destruir estes monstros através do uso de armas especializadas na captura e abatimento destes inimigos. O anime/mangá conta a história de Rosette Christopher, uma jovem freira que definitivamente não age como tal. Há quatro anos, Rosette vivia em um orfanato com seu irmão mais novo Joshua, que era um dos Apóstolos (sete humanos foram abençoados com poderes divinos), porém ele é sequestrado por um demônio chamado Aion. Desesperada, ela faz um pacto com outro demônio, Chrno, para que ele possa ajudá-la a encontrar seu irmão e salvá-lo. Mas ao fazer isso, Rosette vira sua contratante, e toda vez que Chrno usar seus poderes a vida dela será consumida. O símbolo desse contrato é um relógio que Rosette sempre carrega pendurado no pescoço e que mostra o seu tempo de vida.

Acho que demorei tanto tempo pra conferir essa coleção porque, na época da compra, eu não tinha curtido muito o anime (que eu assisti antes de ler). Acontece que esse ano eu estou colocando várias leituras antigas em dia e finalmente chegou o momento de Chrno Crusade. Enquanto eu lia, só conseguia pensar: por que demorei tanto tempo pra dar uma chance? É bom demais! ❤

A história acompanha Rosette, uma freira da Ordem de Magdala (uma instituição católica que combate e exorciza demônios), e Chrno, um demônio que faz um pacto com ela. Os dois são melhores amigos e parceiros de combate, mesmo que tal aliança possa ser vista com maus olhos, especialmente na Ordem, dada a natureza de Chrno. Com o passar dos capítulos, descobrimos que eles se conheceram quando Rosette tinha 12 anos e ainda estava acompanhada de seu irmão mais novo, Joshua – hoje desaparecido –, e as duas crianças acordaram o demônio de um sono de 50 anos numa cripta. Quando Aion, um antigo inimigo de Chrno ressurge e sequestra Joshua, Rosette e Chrno fazem o pacto e determinam que sua missão de vida será encontrá-lo e resgatá-lo são e salvo, sendo este o motivo de Rosette decidir ser treinada pela Ordem, para que possa aprender a combater os demônios. Chrno Crusade então retrata os combates da dupla, a formação de novas alianças e a busca dos dois por Joshua, ao passo que revela a ambição de Aion e os motivos nefastos pelos quais ele sequestrou o irmão de Rosette.

Com apenas 8 volumes, o mangá é curto e muito ágil. Não  há tempo para enrolação ou aventuras desnecessárias, e eu diria que apenas o primeiro mangá é um pouco mais “bobo”, retratando algumas missões dos protagonistas com o intuito de ambientar qual é o dia a dia deles como exorcistas. Do segundo volume em diante, quando o passado de ambos começa a ser revelado, se torna impossível de largar. A história é muito instigante e ela ganha uma virada dramática inesperada, porque os personagens precisam lidar com um peso enorme nos ombros após o sequestro de Joshua. Mesmo que Rosette seja uma personagem bem-humorada, explosiva, expansiva e de personalidade forte, ela vivenciou uma série de traumas muito significativos ao longo da vida: perdeu os pais muito nova, em seguida teve seu irmão sequestrado e, por fim, teve que fazer o pacto com Chrno. Esse pacto é muito importante para a história, porque é em torno dele que o simbolismo de Chrno Crusade gira: a finitude do tempo.

Na ambientação de Chrno Crusade, a fonte do poder dos demônios são seus chifres. Aion, contudo, roubou os chifres de Chrno para dar a Joshua, de modo a executar o seu plano de acabar com a mãe dos demônios, Pandemonium, a fim de libertar os demônios de qualquer tipo de controle. Para vencê-lo, Chrno precisava de uma nova fonte de poder, e essa fonte costuma vir de um pactuante (nesse caso, Rosette). O grande dilema do mangá se dá pelo fato de que, toda vez que Chrno precisa libertar o selo que Rosette carrega e que “prende” seus poderes, a alma dela é consumida e seu tempo de vida diminui. No momento em que Rosette firma o pacto com ele, ela também assume que viverá uma vida mais curta e, a cada instante de batalha ou de tensão, essa situação piora. Chrno faz o possível pra nunca precisar de seus poderes, mas a determinação de Rosette de salvá-lo e de salvar Joshua faz com que ela negligencie seu bem-estar e a própria vida, liberando o selo em inúmeras ocasiões e consumindo seu tempo de vida em prol do seu objetivo maior. Como leitora, eu ficava profundamente angustiada vendo o desenrolar da história acontecendo desse modo, porque o mangá trabalha essa questão de modo muito sério e realista, então não existe um milagre ou um Deus ex-machina servindo como uma luz no fim do túnel que resolva essa questão. Lidar com a ideia de que os minutos estão contados e de que você tem pouco tempo com quem você ama é o cerne de Chrno Crusade, o que faz desse mangá uma história muito mais profunda do que ela inicialmente indica ser.

Ao longo dos volumes, outros personagens vão sendo incluídos na história e se tornando parte do grupo de Rosette. Azmaria é uma jovem com poderes curativos, sendo considerada uma Apóstola (assim como Joshua), o que faz dela um alvo de Aion. Ela é doce, leal e se inspira fortemente em Rosette, pois também tem uma vida marcada por tristezas e enxerga na protagonista alguém em quem se espelhar. Posteriormente conhecemos Satella, uma bruxa que controla gemas poderosas e que está em busca de vingança contra um demônio que sequestrou sua irmã e matou seus pais. Ela provoca Rosette e traz um pouquinho de tensão ao grupo, mas também impulsiona Rosette a enxergar seus verdadeiros sentimentos em relação a Chrno. E já que não falei especificamente dele, mas já falei sobre Rosette, vale mencionar que eu só queria guardar esse personagem num potinho. Chrno é sensível, de coração puro e faria de tudo pra garantir a segurança e a felicidade de Rosette. Sou completamente apaixonada pelos dois. O romance presente no mangá é sutil, delicado e trabalhado de forma bastante orgânica e natural, o que faz a gente sofrer ainda mais pela forma como tudo se desenrola.

Chrno Crusade inicia parecendo uma história de ação, mas se transforma num drama que explora questões profundas e delicadas como o luto, a inevitabilidade da perda, a impossibilidade de voltar no tempo e a finitude da vida. Foi uma história que me deixou de ressaca literária e me fez procurar teorias em fóruns na internet e ir debater o final com fãs no TikTok, coisa que há muito tempo uma obra não fazia. Chorei que nem criança e sinto que ainda não superei o final, mas posso dizer que foi uma história que me marcou profundamente. Tudo isso embalado em um traço maravilhoso, com cenas lindamente desenhadas. Se você gosta de drama e de mangás, recomendo sem pestanejar. ❤

Título original: Kurono Kuruseido
Autor: Daisuke Moriyama
Editora: Panini
Volumes: 8
Número de páginas (por volume): cerca de 190

Resenha: Poemas Tardios – Margaret Atwood

Oi pessoal, tudo bem?

Não costumo ler poesia, mas sair da zona de conforto com Margaret Atwood sempre me parece uma boa ideia. E como 21/03 foi o Dia Mundial da Poesia, também achei super válida a sugestão que recebi no post anterior de falar sobre o tema ainda esse mês pra comemorar. Sem mais delongas, vamos conhecer Poemas Tardios, o livro do de hoje?

Garanta o seu!

Sinopse: Comoventes, lúdicos e sábios, os poemas aqui reunidos falam de ausências e finais, envelhecimento e retrospecção, mas também de presentes e renovações. Eles exploram corpos e mentes em transição, bem como os objetos e rituais cotidianos que nos inserem no presente. Lobisomens, sereias e sonhos surgem ao lado de diferentes formas de vida animal e fragmentos de nosso ambiente danificado. Poemas tardios reúne muitos dos temas mais reconhecidos e celebrados de Margaret Atwood, permeados por descrições minuciosas do mundo natural, passando por encontros espirituosos com alienígenas, situações triviais e divertidas (como guardar passaportes velhos), questões políticas urgentes, lendas, mitos e a sempre obstinada defesa da mulher. Mestre da escrita, Atwood nos lembra de viver o momento e não apenas estar vivos. O mais importante, segundo a autora, é aproveitar todos os dias, seja esculpindo lanternas de Halloween em abóboras, fazendo sexo ou simplesmente lembrando-nos de ver os cogumelos de setembro brotarem.

Poemas Tardios reúne poesias que Margaret Atwood escreveu entre 2008 e 2019. De modo geral, elas permeiam temas como feminismo, opressão feminina, passagem do tempo, envelhecimento, natureza e alguns outros assuntos mais abstratos e aleatórios que não se encaixam tão bem em “categorias” específicas. Os poemas são divididos em 5 partes,  e em sua maioria são curtos e fluidos (do jeitinho que eu gosto), com poucas exceções mais longas.

Os assuntos que mais ressoaram em mim foram justamente aqueles que falavam sobre gênero e sobre a passagem do tempo. Em contrapartida, poemas mais “aleatórios” devo confessar que acabei lendo sem muita atenção, meio que passando as páginas rapidamente pra “acabar logo”. Se é apenas falta de paciência ou sensibilidade de minha parte, aí deixo o julgamento pra vocês, porque não ligo muito não rs. Inclusive, nos próximos parágrafos prefiro focar meus esforços em discorrer sobre meus poemas favoritos, e fico na torcida de que, a partir deles, eu possa inspirá-los a conferir essa coletânea também. 😉

Na Parte 1, temos “Sal”, um poema muito bonito que fala sobre olhar para trás, para um tempo passado no qual diversas coisas boas aconteceram, ainda que naquela época você não conseguisse reparar que tais coisas boas estivessem ocorrendo. É um poema que evoca nostalgia. Temos também “Nevasca”, meu poema favorito dessa primeira parte, que narra uma filha olhando para a mãe envelhecida na cama e imaginando que ela esteja vivendo aventuras em seus sonhos, aventuras estas que permitam que ela saia da opressão de estar presa na cama e entre as quatro paredes de seu quarto. Ao mesmo tempo, a parte mais dolorosa desse poema reside na reflexão dessa filha sobre o próprio apego, ao perceber que a vida da mãe deve ser muito melhor em seus sonhos, mas ainda assim essa filha sente tanta dificuldade em permitir que ela parta.

Na Parte 2 do livro, “Roupas de princesa” é uma alegoria que utiliza diferentes situações, peças de roupa e tecidos para evidenciar a falta de liberdade e adequação feminina a qualquer situação. Não importa a maneira como estamos vestidas, a opressão sempre se faz presente e estamos suscetíveis a julgamentos e violências em todos os âmbitos. “Vista-se assim”, “vista-se assado”: não importa, nossas vidas sempre estão em jogo. Ainda nessa temática, “Sombra” é um poema que coloca o corpo feminino como um bem a ser desejado. O poema gira em torno da mulher ser objetificada e, quando não nos resta mais nada a oferecer, até mesmo a nossa sombra vira um alvo. Por último, mas não menos importante, temos minha série favorita no livro: “Canções para as irmãs assassinadas”. Trata-se de uma série poderosa de poemas que conta a história de tantas irmãs, tantas mulheres assassinadas pelo ódio e pela pequenez masculina, assim como a revolta, o luto e a dor que isso deixa pra trás. Foi certamente a sequência mais intensa e que mais mexeu comigo ao longo das páginas.

As Partes 3 e 4 da obra falam (e divagam) bastante sobre a natureza, mas de modo geral não gostei tanto dos poemas. A exceção à regra está na “Sequência do Plasticeno”, que, como “Canções para as irmãs assassinadas”, trata-se de uma série que fala sobre o momento atual do nosso planeta, em que tudo gira em torno do exagero na produção de plástico e em como isso afeta profundamente o equilíbrio da natureza, assim como ameaça o nosso futuro. Essa sequência é bem bacana e promove uma reflexão atual e necessária, sendo o ponto alto da temática natural, na minha opinião. Temos, na Parte 5, alguns poemas que trazem assuntos permeando envelhecimento, natureza e devaneios abstratos, e não gostei de nenhum poema em especial.

Em suma, considero Poemas Tardios uma ótima coletânea de poesia, que mostra um lado de Margaret Atwood que eu ainda não conhecia, mas com o qual gostei muito de entrar em contato. Eu já a admirava como escritora de romances e agora também a admiro como poetisa, pois é nítida sua habilidade de permear por diferentes estilos com maestria. Ainda que eu não tenha amado todos os poemas, acho que isso é natural numa coletânea, e temos que avaliar a obra como um todo. Se você curte poesia, vale a pena conferir. 😀

Título original: Dearly
Autora:
Margaret Atwood
Editora: Rocco
Número de páginas: 176
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Livro cedido em parceria com a editora.
Esse não é um publipost, e a resenha reflete minha opinião sincera sobre a obra.

Resenha: Um Homem Chamado Ove – Fredrik Backman

Oi pessoal, tudo bem?

O post de hoje é bem especial, pois trata-se do meu último livro favoritado: Um Homem Chamado Ove, de Fredrik Backman – autor de Gente Ansiosa, que inclusive foi meu favorito de 2021. ❤

Garanta o seu!

Sinopse: À primeira vista, Ove é muito provavelmente o homem mais rabugento que você já conheceu. Mesquinho, teimoso, cheio de manias e com um temperamento ruim, ele acredita estar cercado por idiotas – esportistas sorridentes e lojistas que falam em código, sem mencionar os golpistas que o expulsaram da presidência da associação de moradores do bairro. As pessoas o consideram um homem amargurado… Mas só porque ele não anda por aí sorrindo o tempo todo, falando o que todos querem ouvir, e fica em silêncio quando não tem nada a dizer, isso significa que é amargo? Certa manhã de novembro, o mundinho organizado e solitário de Ove é abalado pela chegada de novos vizinhos. Um casal jovem e simpático que, com as duas filhas barulhentas, anuncia sua presença ao derrubar a caixa de correio de Ove com o caminhão de mudanças. O que se segue é uma divertida e cativante história sobre gatos desgrenhados, amizades improváveis e descobertas inesperadas.

Começo essa resenha com um aviso importante: existe um gatilho relacionado a suicídio que permeia toda a história, então é importante que você reflita se esse livro é pra você, tá bem? Agora, vamos à resenha. Ove é um senhor de 59 anos que está profundamente deprimido. Ele perdeu sua esposa há 6 meses, e ela era a verdadeira luz de toda a sua vida, a pessoa que dava sentido a cada um de seus dias. O único conforto que Ove tinha após a partida dela era a sensação de utilidade proporcionada pelo trabalho, mas quando ele é dispensado contra sua vontade isso também lhe é tirado. Com a criação e o contexto no qual o protagonista cresceu, sentir-se inútil à sociedade foi um baque muito forte para lidar junto ao luto. Por isso, a decisão mais lógica lhe parece óbvia: juntar-se à esposa, Sonja, por meio de um suicídio limpo e organizado. Acontece que, ao longo do livro, Ove passa a ser teimosamente interrompido pela vida – e quando digo vida, a ênfase está no novo casal de vizinhos, concentrada na figura da matriarca, Parvaneh, uma iraniana de 30 anos cuja personalidade expansiva, contagiante e, ainda assim, curiosamente parecida com a de Ove, que parece determinada em aparecer nos momentos mais inoportunos para atrapalhar os planos do protagonista. Com o passar das páginas, o mau-humor e a rabugice de Ove vão sendo confrontados pelas pessoas que o cercam, e o leitor também vai entendendo um pouquinho mais de seu passado e dos motivos que o levaram a ser alguém mais fechado e isolado.

A primeira coisa que preciso elogiar em Um Homem Chamado Ove é a narrativa. A escrita de Fredrik Backman é cativante de um jeito que nem sei explicar. A forma como ele narra as coisas, encaixando sarcasmo aqui e ali, me fisga desde a primeira frase, e isso também aconteceu lá na leitura de Gente Ansiosa. O autor nos conduz entre passado e presente, narrando em terceira pessoa de uma forma cheia de personalidade que lembra uma espécie de primeira pessoa. Por exemplo, em vez de dizer que Ove não gosta de determinada atitude, a narrativa diz “não é que Ove não goste de tal atitude, longe disso. É que…”, sabe? Então isso confere um tom de conversa e de “parcialidade” à narrativa que também torna a forma de contar histórias do autor muito característica. Eu adoro! ❤️

Ove é aquele estereótipo de “meu malvado favorito”: ele é turrão e rabugento, não tem paciência com ninguém e não faz questão de agradar. Porém, quando conhecemos suas origens, descobrimos que seu passado foi muito difícil e que ele tem motivos pra ser como é. Gente, sabe o meme da Paris Hilton de que tudo de ruim que pode dar errado com uma pessoa aconteceu com ela? É o Ove todinho. Ele perdeu os pais muito jovem, sofreu um golpe de um estelionatário, perdeu uma casa, enfim… uma série de tragédias. Isso pra não entrar no mérito das tristezas familiares que acometeram seu casamento, mas nem quero dar muitos detalhes porque isso faz parte da emoção da história. Contudo, é muito bonito perceber o quanto ele foi feliz e grato pela oportunidade de ter conhecido e convivido com Sonja. Apesar dela já ter partido quando a história começa, sua presença é palpável ao longo do livro inteiro: Sonja trazia cor para o mundo preto no branco de Ove, era a única que conseguia fazê-lo rir e era a pessoa por quem ele lutava até suas últimas forças. O amor dos dois é tão inspirador que é impossível não derramar lágrimas em diversas passagens do livro, principalmente quando ele visita seu túmulo e expõe a saudade que sente dela.

Apesar do tom triste da história de Ove, Fredrik Backman domina a arte de equilibrar cenas de drama com alívios cômicos. Em um momento eu estava chorando e, no parágrafo seguinte, o autor me fazia rir. A interação de Ove com os vizinhos é sensacional e, aos poucos, ele vai “ganhando utilidade” novamente, se envolvendo nos dilemas das pessoas – contra a sua vontade, importante frisar – e auxiliando-as com seus problemas. Porém, fiquei triste ao pensar que Ove dependa tanto desse sentimento de utilidade pra interromper os seus planos suicidas. É um reflexo de uma baixa autoestima e da pressão capitalista de que só temos valor quando servimos para algo, e não pelo que somos, e eu passei o livro todo torcendo pra vê-lo se libertar disso. Felizmente, conforme ele vai ajudando os vizinhos e se aproximando deles, os vínculos também vão se estreitando e acabam se transformando em verdadeiras amizades – e esse é o ponto de virada pra que Ove finalmente sinta uma motivação genuína pra viver novamente (ou melhor, para adiar seu reencontro com Sonja).

Um aspecto que eu gosto muito nos livros de Fredrik Backman e que novamente identifiquei em Um Homem Chamado Ove é em como ele encaixa informações importantes quando menos esperamos. Ainda que os personagens secundários tenham pouco espaço na trama – e isso possa ser lido como um dos pontos mais fracos da obra, afinal, eles poderiam ter mais desenvolvimento –, o autor conseguiu escolher os personagens ideais para serem aprofundados ou para terem detalhes sobre seu passado incluídos na história no momento certo. Rune, por exemplo, é o vizinho e rival de Ove, que “roubou” seu lugar como diretor da associação de moradores. Outrora amigos, os dois pararam de se falar há anos, mas agora Rune enfrenta o Alzheimer e é uma sombra do homem que um dia Ove conheceu. Porém, é por ele que Ove resolve assumir uma das maiores lutas do livro, o que mostra quão nobre e correto é o caráter do protagonista, que até então poderia ser erroneamente interpretado como egoísta pelos vizinhos (e até por leitores desatentos).

Outro personagem por quem você “não dá nada” é Jimmy, que passa pela história sem deixar grandes marcas, até que Fredrik Backman insere a sua origem no bairro de uma maneira tão singela e emocionante que me peguei chorando intensamente ao perceber como tudo aconteceu e o papel de Ove e Rune em sua história. É isso que mais amo nas histórias de Fredrick Backman: tudo gira em torno dos personagens e das relações entre eles, e é isso que faz com que eu me apaixone por um livro. Até mesmo o gato de rua “todo estropiado” (palavras de Ove rs) tem personalidade e cumpre um papel fundamental na mudança de Ove, sendo adotado pelo protagonista de forma inusitada e fazendo toda a diferença na sua rotina. 

Um Homem Chamado Ove é um livro maravilhoso sobre perda e luto, mas também sobre amor verdadeiro, sobre valorizar cada oportunidade de estar vivo e, principalmente, sobre as pessoas que encontramos pelo caminho. Ao se relacionar com Parvaneh e seus vizinhos, Ove relembra como é sentir a conexão com outros seres humanos, algo que desde a partida de Sonja estava adormecido dentro dele. No fim, isso é tudo que temos: o amor uns pelos outros e a marca que deixamos no coração das pessoas. Posso dizer com convicção que Ove deixou uma marca profunda no meu.

Título original: A Man Called Ove
Autor:
Fredrik Backman
Editora: Rocco
Número de páginas: 320
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Livro cedido em parceria com a editora.
Esse não é um publipost, e a resenha reflete minha opinião sincera sobre a obra.

Resenha: Vermelho, Branco e Sangue Azul – Casey McQuiston

Oi pessoal, tudo bem?

Prontos pra uma dica bem amorzinho, daquelas que prometem aquecer o coração? Então bora que hoje vou dividir minha opinião sobre um queridinho da blogosfera: Vermelho, Branco e Sangue Azul.

Garanta o seu!

Sinopse: O que pode acontecer quando o filho da presidenta dos Estados Unidos se apaixona pelo príncipe da Inglaterra? Quando sua mãe foi eleita presidenta dos Estados Unidos, Alex Claremont-Diaz se tornou o novo queridinho da mídia norte-americana. Bonito, carismático e com personalidade forte, Alex tem tudo para seguir os passos de seus pais e conquistar uma carreira na política, como tanto deseja. Mas quando sua família é convidada para o casamento real do príncipe britânico Philip, Alex tem que encarar o seu primeiro desafio diplomático: lidar com Henry, irmão mais novo de Philip, o príncipe mais adorado do mundo, com quem ele é constantemente comparado ― e que ele não suporta. O encontro sai pior do que o esperado, e no dia seguinte todos os jornais do mundo estampam fotos de Alex e Henry caídos em cima do bolo real, insinuando uma briga séria entre os dois. Para evitar um desastre diplomático, eles passam um fim de semana fingindo ser melhores amigos, e não demora para que essa relação evolua para algo que nenhum dos dois poderia imaginar ― e que não tem nenhuma chance de dar certo. Ou tem?

O livro é narrado em terceira pessoa e é focado na perspectiva de Alex, filho da presidenta dos Estados Unidos, que nutre uma rivalidade meio desproporcional com o príncipe da Inglaterra, Henry. O jeito perfeitinho do príncipe, seu cabelo sedoso, sua pose de quem tem tudo sob controle… tudo isso enerva Alex, que, apesar do talento nato para a política, tem também uma veia rebelde evidente. E essa veia se sobressai no casamento do irmão de Henry, para o qual a família da presidenta é convidada, e na qual Alex decide provocar o príncipe até que os dois se envolvam em um acidente envolvendo a queda de um bolo de casamento caríssimo no chão e uma crise de Relações Públicas estampada nos jornais. É aí que a coisa fica interessante: a mando de ambos os governos, os dois precisam fingir ser melhores amigos pra controlar os estragos feitos no casamento, e essa aproximação forçada vai acabar mostrando a Alex que o príncipe tem muito mais camadas do que transparece – assim como ele próprio.

Vermelho, Branco e Sangue Azul é um enemies to friends to lovers. 😂 E pra mim isso é muito bacana porque a relação dos dois protagonistas vai sendo construída aos poucos, dando tempo ao leitor para compreender a mudança de sentimentos, ou melhor, a compreensão de sentimentos. Enquanto Henry não demora a revelar sua orientação sexual a Alex, identificando-se como um homem gay, o Primeiro-Filho encontra-se numa posição menos clara sobre si mesmo. Ao ser beijado por Henry em um evento na Casa Branca, Alex coloca tudo que vivenciou até aquele momento sob uma nova lente: as experiências sexuais exploratórias com o amigo da escola (que ele considerava apenas consequência dos hormônios), a forma como ele se pegava observando alguns amigos no vestiário, seu interesse meio obsessivo em uma revista adolescente de sua irmã na qual Henry aparecia e até sua rivalidade meio unilateral em relação ao príncipe. O processo de (re)descoberta de Alex acerca de sua sexualidade – e seu entendimento como homem bissexual – é trabalhado de forma muito positiva e dá espaço não apenas para questionamentos, mas para aceitação.

Esse é um tópico importante em Vermelho, Branco e Sangue Azul. A aceitação da sexualidade pelos entes queridos é trabalhada das duas formas bem opostas: enquanto Alex encontra apoio daqueles que o cercam (o que é sempre positivo quando falamos de literatura jovem), Henry lida com a pressão inenarrável de não poder ser quem ele é. Tanto sua avó, a rainha, quanto seu irmão mais velho deixam claro que qualquer modelo desviante do tradicional não será tolerado, afinal, a família real precisa manter as aparências e gerar herdeiros. Além disso, Henry perdeu o pai aos 18 anos e desde então sua mãe vive o luto de forma muito isolada, o que faz com que o personagem possa contar apenas com a irmã mais velha, Bea. Esse cenário já mostra como Henry é solitário, certo? Ao longo das páginas Alex percebe isso também. Ele sente a dor do príncipe tanto quanto nós, leitores, assim como também deseja guardá-lo num potinho e protegê-lo de todo mal. É muito triste ver as crises de ansiedade pelas quais Henry passa e a pressão que ele sofre para cumprir um papel social que suprime toda a sua personalidade e espontaneidade. Tudo isso torna  compreensível o porquê dele demorar a se entregar totalmente a Alex: Henry primeiro enfrenta um medo muito grande de não ser correspondido, e depois, quando é, passa a ter medo desse amor ser tirado dele.

Com o passar das páginas, os dois obviamente se apaixonam e o relacionamento que eles constroem é a coisa mais linda de se ler. Alex é uma força da natureza e impulsiona Henry das mais variadas formas, principalmente a acreditar em si mesmo e que ambos podem fazer o relacionamento dar certo apesar de tudo. Confesso pra vocês que iniciei o livro sem gostar tanto do Alex – ele inicia a trama de modo meio prepotente e arrogante –, mas terminei a leitura sendo cadelinha demais dele. ❤ Já Henry conquistou meu coração de primeira, porque sua doçura e sensibilidade fazem dele alguém por quem você se afeiçoa e deseja a mais pura felicidade.

Além do romance, o livro tem várias passagens divertidas, especialmente quando os personagens secundários são envolvidos. Alex e Henry são pessoas de poucos amigos, mas os que eles têm são sensacionais e valem por mil. June (irmã de Alex) e Nora (neta do vice-presidente dos EUA) são inseparáveis e são as pessoas por quem Alex se atiraria na frente de um trem. A amizade dos três é maravilhosa e a personalidade de cada um se complementa de modo muito legal. Henry, por sua vez, conta com a já mencionada Bea, sua irmã, e com o carismático Pez, seu melhor amigo. Ele é a diversão em pessoa, e quando se junta a June e Nora, tudo se torna possível. Eu adorei todas as cenas em que o grupo estava junto, porque foi um alívio em meio ao caos poder ver os personagens principais se divertindo enquanto sofriam com as dificuldades de manter seu amor em silêncio pra não gerar nenhuma crise política.

Aliás, a parte política do livro foi meu aspecto “menos favorito”, digamos assim. Acho a política norte-americana um pé no saco e grande parte da tensão do livro gira em torno do fato de que a mãe de Alex está em campanha de reeleição. Esse tema não me chama a atenção e, consequentemente, não me senti muito aflita pelos desdobramentos desse plot. Outro aspecto do qual não gostei tanto foram os capítulos longos; sou uma pessoa que gosta de dinamismo e agilidade, ou no mínimo capítulos longos com pausas marcadas no meio pra que eu possa parar sem perder o fio da meada (já que leio no horário de almoço e antes de dormir, normalmente). Por esses fatores, a leitura de Vermelho, Branco e Sangue Azul acabou sendo um pouco mais demorada do que o normal, mesmo que eu tenha amado a história. Vale ressaltar que o fim do livro é um pouco clichê, especialmente quando pensamos no papel da mãe de Henry. Mas esse não chega a ser um grande defeito, especialmente por ser uma característica comum e esperada no gênero.

Por último, mas não menos importante, fica meu elogio à edição de colecionador da editora Seguinte, que ficou linda. As páginas tem um degradê de vermelho e azul que dão um charme todo especial ao livro, e há ilustrações de várias cenas marcantes da história – inclusive foi bem divertido ir dando “check” nelas conforme as situações ocorriam na trama. A única cena que eu não consegui identificar enquanto lia é uma em que Alex e Henry se beijam na escadaria de um prédio, então se alguém se lembrar me conta nos comentários por favor. 😂 Além disso, essa edição contém um capítulo extra narrado sob a perspectiva de Henry que é simplesmente TUDO e encerra com chave de ouro a história desse casalzão. ❤

Vermelho, Branco e Sangue Azul é um romance LGBTQIA+ que fala, sobretudo, sobre liberdade. Liberdade para amar, para se expressar, para dizer ao mundo quem você é de verdade – sem medo e sem reservas. É sobre encontrar alguém que te diga com todas as letras que você não merece nada menos do que isso. ❤ Por esses e por outros motivos é impossível não se apaixonar por Alex e Henry e por sua história de amor. Ah, e as cenas hot entre os dois são um bônus muito bem-vindo, é claro rs. 🔥

Título original: Red, White and Royal Blue
Autora:
Casey McQuiston
Editora: Seguinte
Número de páginas: 416
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Livro cedido em parceria com a editora.
Esse não é um publipost, e a resenha reflete minha opinião sincera sobre a obra.

Dica de Série: Ruptura

Oi pessoal, tudo bem?

Hoje a dica é de uma das séries mais interessantes a que assisti nos últimos tempos, e olha que isso não é pouca coisa, hein? Hoje o nosso papo é sobre Ruptura.

Sinopse: Mark lidera uma equipe de funcionários cujas memórias foram cirurgicamente divididas entre vida profissional e pessoal. Um misterioso colega aparece fora do ambiente trabalho, e ele começa uma jornada para descobrir a verdade sobre seu emprego.

Imagine uma realidade em que você pudesse separar sua vida pessoal da profissional. Mas não estou dizendo isso de forma metafórica, daquele jeito saudável que a gente tenta fazer quando busca equilíbrio entre os nossos compromissos. Estou falando de um modo brutalmente literal: nessa realidade, você poderia fazer uma intervenção no seu cérebro que “apagaria” a sua versão de “fora do trabalho” (ou “Outie”) no momento em que você chegasse ao escritório, assim como apagaria sua versão “do escritório” (ou “Innie”) quando você saísse dele. Durante o expediente, você não lembraria nada sobre quem você é lá fora: seus gostos, sua família, seus hobbies, seus amores; fora do expediente, você não saberia se seu trabalho é meramente burocrático ou se, digamos, envolve escravizar ou matar pessoas, por exemplo. Esse é o grande dilema moral de Ruptura, que gira em torno desse procedimento médico que dá nome à série e é realizado pelo protagonista – Mark S. – após perder a esposa em um acidente, sendo consumido pelo luto. Como cerca de 8h ou 9h do seu dia são dedicadas ao trabalho, lhe parece uma boa troca não ter que lembrar que essa dor existe durante esse período. Porém, quando ele é abordado por um homem que alega ser seu ex-colega de departamento, Mark começa a apresentar sintomas estranhos e a nutrir dúvidas desse sistema.

Ruptura é o tipo de série que vem e faz você sentir o impacto. A fotografia é pálida, a abertura é profundamente angustiante e o tom da história faz você se sentir tão preso quanto os personagens. A ambientação por si só é um personagem também: Mark e sua equipe trabalham em um escritório que mais parece um labirinto, todo sem janelas e com fortes luzes brancas, causando neles uma sensação de que o tempo não passa. Considerando que os Innies realmente não sentem o tempo passar (afinal, no momento em que eles saem do escritório, sua consciência é desligada e só é religada ao retornarem), é como se eles vivessem aprisionados dentro das paredes da Lumon, a empresa por trás do procedimento da ruptura.

A saúde mental no ambiente de trabalho é um dos tópicos mais latentes de Ruptura, e fica evidente na personagem Helly. Ela é a novata da equipe e tem grande dificuldade de se ajustar, tentando se demitir a todo custo. Acontece que, ao entrar na Lumon e fazer a ruptura, sua versão Outie grava um vídeo contando pra você que foi realmente você quem decidiu por aquilo, e que é de fato a melhor escolha, numa tentativa de fazer a versão Innie se tranquilizar e aproveitar o trabalho. Contudo, isso não funciona com Helly, que tenta diariamente burlar o sistema para fugir do prédio e conseguir ter suas memórias de volta no ambiente exterior, de modo que possa “avisar a si mesma” lá fora que a Lumon é uma cilada. O plot de Helly vem acompanhado de alguns gatilhos, inclusive suicídio, então fica o aviso caso você seja uma pessoa sensível a esse tópico. Mas por meio dela vemos como é o desespero de alguém que deseja se libertar de uma rotina esmagadora e claustrofóbica e não consegue, enquanto seus pares ao redor parecem ter se conformado a ponto de fazer parte da engrenagem. Essa problematização perdura ao longo de toda temporada, até que pequenos sinais de rebeldia vão acontecendo e o status quo vai sendo alterado.

É muito bacana ver a transformação da equipe de Mark ao longo da temporada. Os já mencionados Mark e Helly têm grande foco porque o primeiro é o principal protagonista e a segunda é justamente quem mexe com a “paz” do setor, mas temos também Irving e Dylan, os outros dois membros da equipe que são fundamentais pra que movimentos significativos aconteçam ao longo dos episódios. Acho que a grande questão aqui é que essa equipe representa a rebeldia, a curiosidade e a liberdade do espírito humano: por mais que tentem cercear as pessoas, limar suas possibilidades e controlar os seus passos, a busca por ir além sempre está ali, no fundo do coração, por fazer parte da nossa natureza. A curiosidade de saber o que está acontecendo, de ir mais a fundo, de se ver livre da opressão, principalmente depois que você “quebra o vidro” da ilusão que tentam criar (ilusão essa que a Lumon faz na mesma medida em que utiliza de coerção física e psicológica pra colocar as pessoas “nos trilhos”).

Ruptura é uma série de desenvolvimento lento, com cenas mais pacatas, que focam nos diálogos e no aprofundamento psicológico dos personagens e das suas relações, mas nem por isso ela é uma série entediante ou cansativa. Pelo contrário, a sensação que os episódios causam é de querer ver mais para descobrir mais informações, e também angústia, tanto no ambiente externo (enquanto a versão Outie de Mark tenta investigar as pistas que seu ex-colega de departamento deixou) mas, principalmente, no ambiente interno (devido a opressão do escritório). Ainda que a série crie um ambiente inóspito de forma proposital e, quem sabe, levemente exacerbada, não podemos dizer que é irreal; muitos lugares pelo mundo oferecem condições de trabalho iguais ou piores para seus funcionários, influenciando diretamente na sua sensação de bem-estar e saúde psicológica. Passando ou não pelo procedimento médico, Ruptura nos faz confrontar o equilíbrio entre vida e trabalho de uma forma bastante dura, e como eu disse antes: você sente o impacto. 👀 Vale a pena conferir!

Título original: Severance
Ano de lançamento: 2022
Direção: Dan Erickson
Elenco: Adam Scott, Britt Lower, Zach Cherry, John Turturro, Tramell Tillman, Jen Tullock, Dichen Lachman, Christopher Walken, Patricia Arquette

Resenha: Daisy Jones and The Six – Taylor Jenkins Reid

Oi pessoal, tudo bem?

Hoje saiu mais um trailer da adaptação de Daisy Jones & The Six, então aproveitei esse dia pra compartilhar com vocês minha opinião a respeito desse livro. Considerando o quanto gosto da escrita de Taylor Jenkins Reid, fui com expectativas altíssimas pra essa leitura e… bom, vocês vão descobrir o que achei ao longo do post. 👀

Garanta o seu!

Sinopse: Todo mundo conhece Daisy Jones & The Six. Nos anos setenta, dominavam as paradas de sucesso, faziam shows para plateias lotadas e conquistavam milhões de fãs. Eram a voz de uma geração, e Daisy, a inspiração de toda garota descolada. Mas no dia 12 de julho de 1979, no último show da turnê Aurora, eles se separaram. E ninguém nunca soube por quê. Até agora. Esta é história de uma menina de Los Angeles que sonhava em ser uma estrela do rock e de uma banda que também almejava seu lugar ao sol. E de tudo o que aconteceu — o sexo, as drogas, os conflitos e os dramas — quando um produtor apostou (certo!) que juntos poderiam se tornar lendas da música. Neste romance inesquecível narrado a partir de entrevistas, Taylor Jenkins Reid reconstitui a trajetória de uma banda fictícia com a intensidade presente nos melhores backstages do rock’n’roll.

A história é narrada de uma forma criativa, por meio de “entrevistas” que buscam criar um panorama de como a lendária banda de rock Daisy Jones & The Six se formou, bem como destrinchar o motivo de seu rompimento quando estavam no auge da carreira, na turnê Aurora. TJR entra no mood já no início da obra, com uma Nota da Autora que afirma que o livro é a reunião de inúmeras entrevistas que ela fez com os músicos, como se fosse uma espécie de biografia da banda de verdade mesmo, o que é bem legal. Durante as páginas, encontramos depoimentos de todos os membros, alguns familiares ou pessoas da indústria e, desde o começo, fica claro: nem todos lembram dos fatos do mesmo modo, ou até mesmo interpretaram as coisas sob a mesma ótica. Então, o que de fato é verdade?

Como sempre, Taylor Jenkins Reid faz um ótimo trabalho em investigar o background do tema sobre o qual ela vai escrever: ela fez isso muito bem com o cinema em Evelyn Hugo, arrasou demais com o tênis em Carrie Soto e aqui mergulha no backstage da indústria fonográfica. E ela não poupa o leitor dos detalhes sórdidos, que incluem traições, abuso pesado de drogas, sexo, alcoolismo, disputa de egos e muito mais. Porém, apesar de reconhecer o quanto todo esse mundo foi bem trabalhado, o livro simplesmente não funcionou comigo e, mesmo com sua narrativa rápida (já que são sempre os depoimentos dos entrevistados), demorei a concluí-lo.

Meu maior problema com Daisy Jones & The Six tem motivo e nomes: eu odeio triângulos amorosos e odiei os personagens principais, Daisy Jones e Billy Dunne. E esses motivos merecem que eu os desenvolva nos próximos parágrafos. Billy, vocalista do grupo Dunne Brothers (que posteriormente vira a banda The Six) é um cara intenso, que se apaixona perdidamente por uma moça chamada Camila e entra de cabeça na relação com ela. Quando ela engravida, ele entra em pânico – pois teve um pai ausente e a paternidade representa um buraco horrível no seu peito – e toma uma série de decisões horríveis, de casar com ela às pressas a se afundar nas drogas e traí-la nas turnês. Ainda assim, Camila resolve perdoá-lo e o obriga a entrar numa clínica de reabilitação pra que ele possa ter contato com a filha. Isso faz com que Billy saia do fundo do poço e coloque Camila num pedestal, compondo músicas pra ela e enxergando nela seu porto-seguro, seu farol, e também sua força pra se manter longe das drogas. Até que ele conhece Daisy Jones…

Daisy é uma garota linda e rica, mas totalmente quebrada. Negligenciada pelos pais desde a infância, se tornou groupie aos 14 anos e começou a usar drogas desde então, chegando ao ponto de carregar pílulas soltas nos bolsos, perdendo até a conta do consumo. Mas uma coisa que Daisy tem de sobra (spoiler: não é estabilidade kk) é talento musical. Ela está determinada a mostrar suas composições para o mundo, então agarra a oportunidade de se unir ao The Six, já que o grupo ganhou certo destaque musical antes dela. A relação com Billy começa com animosidade, porque ele se sente intimidado com a garota chegando na banda e “metendo banca”. Mas com o tempo eles começam a se dar muito bem ao perceberem a sintonia criativa que compartilham: eles passam a compor juntos por horas a fio, um melhorando as letras do outro, e Daisy inevitavelmente se apaixona pelo primeiro homem que parece enxergá-la pra além do seu exterior. Só que tudo isso não apaga o fato de que ela é uma garota mimada, que faz tudo girar em torno dela, se mete nas decisões dos Six sem conversar abertamente sobre nada, e ainda desrespeita profundamente Camila ao tentar se envolver com Billy. Também tenho sérios problemas com relação a como Taylor Jenkins Reid explorou o corpo e o vício de Daisy: como alguém que emagrece até virar pele e osso (como alguns personagens insinuam ao longo da história), fumando e se drogando até não poder mais (algo que, sabemos, destrói a pele) conseguiu se manter tão deslumbrante quanto diziam? Impossível. Também achei UÓ a hiperssexualização disfarçada de feminismo. A Karen, pra mim, foi um exemplo melhor disso, porque tudo que ela fazia, ela fazia de modo consciente, enquanto a Daisy tava só pelo caos (ok, direito dela, mas que cansaço). Queria que ela tivesse passado por mais problemas ou causado mais problemas que realmente pesassem a trama, pra evidenciar de modo responsável o horror causado pelo abuso de drogas. O susto que a personagem leva não é o bastante para a dimensão do tanto que ela consumia.

É muito difícil pra mim me envolver com uma história quando os personagens me fazem passar raiva a cada instante. Por mais que eu compreenda a origem de seus traumas, Daisy se resume a uma garota narcisista e Billy é um homem egoísta e covarde que faz sua mulher sofrer. E aí temos o terceiro elemento do triângulo, uma das únicas personagens de quem gosto: Camila Dunne é o ponto de equilíbrio no caos da história. Ela é empática, se dá bem com todos os membros da banda e ainda é capaz de ter fé em Billy, tanto na época da reabilitação quanto no fato de que ele não abandonaria o casamento – mesmo que ela soubesse que algo estava rolando em relação a Daisy em seu coração. E apesar de eu admirar a resiliência e a maturidade da personagem (que sabe o que quer e luta por isso, mesmo que os outros a julguem), também acho que ela é mal explorada e abordada de modo superficial, no sentido de ser quase “santificada” dentro da história. Afinal, ela acredita em Billy, apoia os membros do Six, cuida de duas filhas praticamente sozinha, nunca reclama dos horários horríveis nos quais o marido trabalha, aguenta o fato dele passar mais tempo com Daisy do que com ela, perdoa a série de traições no início do casamento… tudo bem, entendo que na época manter a família era imprescindível (afinal, o livro se passa majoritariamente entre os anos 60 e 70), porém acaba que Camila é uma personagem da qual gostamos, mas sobre a qual sabemos muito pouco. Seu sofrimento, seus verdadeiros sentimentos, tudo é muito raso. A próxima frase tem um spoiler, selecione se quiser ler: também achei péssimo que ela teve que dar um fim à palhaçada que estava rolando entre o Billy e a Daisy. Depois de tudo que ela passou, ela merecia que o próprio Billy tivesse culhões de agir por conta própria.

Os outros membros de Daisy Jones & The Six têm pouco espaço significativo na trama: o baixista (Pete) nem participa das entrevistas; o baterista (Warren) só contribui com comentários de quem olhava tudo de fora; o guitarrista (Eddie) era um cara profundamente recalcado ressentido de Billy que só reclamava. Contudo, dois dos membros valem o destaque: Graham, irmão de Billy, é um cara romântico por quem torcemos, especialmente quando ele consegue ficar com a sua paixão, Karen; Karen é a pianista da banda, uma mulher que valoriza sua independência acima de tudo. Eu amo Karen porque ela aprecia as mulheres à sua volta. Pra ela, ser amiga de Camila é importante, assim como ter Daisy na banda, pra que a desigualdade no meio musical diminua e as mulheres musicistas se fortaleçam. Karen foi a personagem que mais admirei, porque além de ter esse viés feminista nas suas falas, ela também é uma pessoa realista, que ora acerta, ora falha. O mais importante, pra mim, é que ela se mantém fiel a si mesma do início ao fim.

Tenho a sensação de que posso gostar bem mais da adaptação de Daisy Jones & The Six, que estreia em março no Prime Video, do que do livro – ainda que, provavelmente, a coitada da Camila vá sofrer bem mais na tela do que as páginas mostraram. Sinto que a história tem potencial de ganhar profundidade e os aspectos rasos da relação entre os personagens serão mais bem trabalhados. Apesar de inicialmente ter achado criativo o modo de contar a história por meio dos relatos, com o passar das páginas achei o recurso cansativo e ele fez com que tivéssemos um olhar muito enviesado e limitado dos fatos. Além disso, também senti que muitas vezes os personagens não tinham um “tom de voz” próprio, sendo necessário ler o nome de quem estava falando pra associar, e isso deixou a experiência truncada pra mim. E, é claro, como ignorar o fato de que detestei toda a trama que gira em torno dos personagens principais, não é mesmo? 😂 Eu nunca tinha me decepcionado nesse nível com um livro da Taylor Jenkins Reid, mas é como dizem por aí: pra tudo tem uma primeira vez. 🤷‍♀️

P.S.: impossível não associar a “vibe” da Daisy com a Florence Welch. Não em relação às drogas hahaha! Mas em relação ao cabelo ruivo, ao estilo e à sensibilidade musical.

P.S. 2: uma das músicas mais importantes do livro foi completamente alterada pra série. 🤡 Ela se chama “Regret Me” e já está disponível no Spotify, pra quem quiser conferir. Curiosa pra saber como ficarão as outras. 👀

Título original: Daisy Jones & The Six
Autora:
Taylor Jenkins Reid
Editora: Paralela
Número de páginas: 360
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Resenha: A Loteria e Outros Contos – Shirley Jackson

Oi pessoal, tudo bem?

Eu gosto de ler contos especialmente naqueles casos em que tenho curiosidade para entrar em contato com a escrita do autor pela primeira vez. Esse foi o motivo que me fez solicitar A Loteria e Outros Contos, da Shirley Jackson – renomada autora conhecida por Sempre Vivemos no Castelo e A Assombração da Casa da Colina (este segundo dando origem à aclamada adaptação A Maldição da Residência Hill). A Loteria é seu conto mais famoso, mas o livro reúne 25 contos e 1 poema. Vamos conhecer?

Garanta o seu!

Sinopse: Única coletânea publicada enquanto Shirley Jackson ainda era viva, A loteria e outros contos traz histórias que incorporam tanto as características marcantes da escritora quanto seu poder de navegar pelos diversos aspectos da ficção. Publicado pela primeira vez em 1948 na revista The New Yorker, o conto A loteria é considerado um dos mais importantes da literatura americana – seu impacto foi tão profundo que, logo após sua publicação, a revista recebeu diversas cartas reclamando da “imoralidade” da narrativa. Esta e outras 24 histórias curtas formam uma coletânea brutal que analisa com maestria os meandros da sociedade norte-americana, a opressão velada, o lugar a que as mulheres são relegadas, o peso do matrimônio e dezenas de outros temas que ainda fazem parte da sociedade atual. Seja esmiuçando a vida nos subúrbios dos Estados Unidos, como em Estátua de sal, ou retratando a influência da bebida e da juventude na vida de um homem, como em O embriagado, Jackson constrói histórias com personagens vivazes e impressionantes que acompanharão o leitor mesmo depois de fechar o livro.

O tema central dessa coletânea é destrinchar a prisão da mulher de classe média do início do século XX às situações familiares e cotidianas. A maior parte dos contos é protagonizada por mulheres na faixa dos 30 anos, e quase todas elas são donas de casa ou almejam ser. Para ser sincera, quando solicitei esse livro eu achava que encontraria contos de terror e suspense, devido às premissas dos outros livros de Shirley Jackson. Por isso, acabei um tanto frustrada com a repetição de temas e a monotonia deles, que refletem bem o cotidiano entediante dessas mulheres.

Gostaria de dizer que fui cativada pelas problematizações e pela narrativa de Shirley Jackson, mas seria mentira. Comecei o livro entusiasmada por finalmente conhecê-la e, sem demora, me senti quase tão presa quanto as protagonistas dos contos. A verdade é que não existem bons plot twists nas histórias e grande parte delas mal parece ter sequer uma conclusão lógica. Devido à minha decepção com o livro como um todo e com o estilo da autora, decidi focar minhas opiniões nos contos que me causaram mais interesse.

O primeiro deles é O amante diabo, que conta a história de uma moça que está aguardando seu noivo chegar em seu apartamento. É o dia do casamento e o rapaz, James Harris, simplesmente sumiu. A protagonista passa a procurá-lo pelo bairro todo, perguntando nos estabelecimentos se alguém o conhecia, o que a leva até um prédio antigo e a um sótão assustador. Nesse conto o que achei interessante (de um jeito aflitivo) é que as autoridades e as pessoas pra quem ela perguntava pareciam achá-la louca, principalmente se o interlocutor fosse um homem – um claro exemplo do desdém masculino. O segundo conto que gostei se chama A renegada e conta a história de uma mãe de família, a Sra. Walpole, que veio da “cidade grande” e se sente oprimida pela vida interiorana e sua forma brutal de resolver as coisas. A tensão da trama reside no fato de que sua cadela foi acusada de matar as galinhas do vizinho e todo mundo – inclusive seus filhos pequenos – acham natural matar a cadela a tiros, como se não fosse nada. Só a protagonista parece enxergar o horror disso, e ela se sente como a cachorra: com uma coleira cheia de espinhos no pescoço.

O terceiro conto do qual gostei se chama Charles e traz um clichê, mas do tipo que eu curto: aquele que te induz a pensar uma coisa sobre determinado personagem e depois descobrimos que não era bem assim. Nesse caso, acompanhamos um garotinho, Laurie, contando à família que seu coleguinha de escola, Charles, é uma praga: briga com a professora e os colegas, apronta na aula, fica de castigo, fala palavrões, entre outras malcriações. O tal Charles vira até uma expressão no ambiente familiar, tipo um meme. Aos poucos, a autora dá pistas esquisitas sobre Charles e, quando a mãe de Laurie vai até uma reunião de pais e professores, ela descobre fatos surpreendentes. Por último, temos o conto principal da obra, A loteria, que também entrou na lista de melhores contos: nele a autora conta a rotina de uma aldeia fictícia que vai se reunindo na praça da cidade para um momento comunitário sobre o qual não sabemos muito. Tudo parece tranquilo, as famílias interagem, até que os homens que representam as famílias passam a sortear nomes, e é aí que o clima da situação começa a ganhar características ritualísticas macabras. É um conto bastante cruel que narra uma cerimônia tradicional que ninguém sequer pensa em contestar. Quando a vítima desse momento é escolhida, é bem triste ver sua reação.

O poema que encerra o livro também é bacana, e alguns outros contos tem uma ou outra tiradinha interessante, como Estátua de sal (que fala sobre ser esmagado pelo ritmo alucinante de uma cidade que não para e que parece se desfazer à plena vista) e É claro (que mostra como decisões masculinas imbecis podem alienar uma família). Além disso, existe ainda uma denúncia ao racismo, que aparece mais claramente no conto Jardim florido. Outro ponto que vale mencionar é que Shirley Jackson usa um “mesmo” personagem, James Harris, em diversos contos – ou melhor, alguém com o mesmo nome, profissão e descrição. Se é só pra confundir o leitor ou significa algum simbolismo a mais, não sei dizer. Comecei a leitura achando que era tudo uma sacada genial e terminei achando que era uma aleatoriedade. 😂

Enfim, como mencionei no início da resenha, esse livro não me proporcionou uma boa experiência. Porém, enquanto escrevia esse post, fiquei contente por ter conseguido extrair alguns aspectos positivos dela. Acredito muito que a experiência de cada leitor é única e, por isso, as pessoas devem se arriscar nas leituras que façam sentido pra elas. Mas também não posso dizer que recomendo esse título, porque foi bastante desafiador chegar até a última página. Por isso, deixo por sua conta e risco se aventurar nas palavras de Shirley Jackson por meio de A Loteria e Outros Contos.

Título original: The Lottery and Other Stories
Autora:
Shirley Jackson
Editora: Alfaguara
Número de páginas: 264
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Livro cedido em parceria com a editora.
Esse não é um publipost, e a resenha reflete minha opinião sincera sobre a obra.