Oi gente, tudo bem?
Esse ano, vários dos candidatos do Oscar despertaram a minha curiosidade, e é claro que um filme que traz um mistério envolvendo um crime ao mesmo tempo que aborda um drama familiar chamaria minha atenção. Estou falando de Anatomia de Uma Queda, que levou a estatueta de Melhor Roteiro Original e gerou debates acalorados aqui em casa depois que terminamos de assistir. 😂
Sinopse: Uma mulher é suspeita de ter assassinado o marido, e o seu filho cego enfrenta um dilema moral como única testemunha.
O filme permeia alguns cenários que também dão o tom da narrativa: há o contexto familiar da protagonista, há o imaginário sobre seu casamento e há o julgamento propriamente dito. Dependendo do momento em que o filme se foca, a condução é mais lenta e dramática ou mais intensa e aflitiva, levando o espectador a uma montanha-russa de emoções. Mesmo girando em torno de um plot relativamente simples (Sandra Voyter empurrou ou não seu marido para a morte?), a condução do filme te mantém preso e em momento algum entedia ou faz sentir que está se arrastando por mais tempo do que deveria.
Acho que grande parte do mérito de Anatomia de Uma Queda funcionar tão bem é o fato de que Sandra não é uma personagem linear e fácil de compreender. As primeiras cenas do filme mostram uma dinâmica entre ela e seu marido, Samuel, que é facilmente interpretada como uma panela de pressão. Mesmo que a gente nunca veja Samuel vivo pelas lentes da diretora, somente pela ótica do julgamento e pelos relatos que nele aparecem, a primeira cena do filme já estabelece uma tensão entre os dois que prepara o terreno pra toda a dúvida que vai permear as circunstâncias da morte dele. Se inicialmente o espectador pode achar Samuel um babaca pelo que faz com Sandra, ao longo do julgamento o promotor também vai expondo as facetas menos admiráveis da protagonista – e não são poucas. Considero isso positivo pra construção de camadas não só dos personagens, mas como da própria história. O filme toca muito no questionamento acerca do quanto conseguimos avaliar a relação das pessoas com base em pequenos fragmentos observados de fora, e os argumentos de Sandra sobre isso são muito relevantes, já que é bastante fácil distorcer uma vida juntos com base em discussões ou situações vistas de forma isolada (indepentendemente de qualquer debate sobre inocência ou culpa).
As atuações também são impecáveis. Sandra Hüller impressiona tanto ao imprimir frieza em momentos inesperados, fazendo com que as suspeitas sobre ela cresçam, mas também em seus momentos de mental breakdown ao se ver sozinha, afastada do filho, tendo sua credibilidade posta em xeque. Quando ela chora no carro ao lado do advogado, é difícil não sentir empatia. Porém, é inegável que a cena mais marcante é seu monólogo com o marido, quando ele a acusa de plagiar seu trabalho e de não evoluir na carreira por culpa dela, e ela devolve com uma resposta mordaz que faz o espectador ficar vidrado em cada palavra. Milo Machado Graner também é impecável no papel de Daniel, o filho de Sandra e peça-chave em todo o julgamento, considerando que foi ele que encontrou o corpo do pai. Tanto nas cenas de maior emoção quanto ao expressar as dúvidas do menino sobre o que fazer (em termos de dilemas morais), o ator convence. E Swann Arlaud e Samuel Theis (o advogado e o marido de Sandra, respectivamente) também entregam atuações marcantes, o primeiro claramente apaixonado desde sempre por aquela que foi sua amiga no passado e o segundo sendo um marido numa relação complexa e cheia de ressentimentos.
Anatomia de Uma Queda é um filme que não se propõe a explicar as coisas de forma fechadinha e transparente, então não assista esperando uma trama investigativa ou de júri com esse intuito. É um filme que utiliza de uma morte (uma tragédia? Um assassinato?) pra abordar a complexidade das relações humanas e das falhas e fortalezas individuais dos envolvidos nelas. Gostei de cada minuto e recomendo sem pensar duas vezes!
Título original: Anatomie d’une chute
Ano de lançamento: 2023
Direção: Justine Triet
Elenco: Sandra Hüller, Swann Arlaud, Milo Machado-Graner, Antoine Reinartz, Samuel Theis, Jehnny Beth