Resenha: Não Confie Em Ninguém – Charlie Donlea

Oi gente, tudo bem?

Uma das leituras favoritas do ano passado e que estava há tempos na minha wishlist finalmente ganhou um espaço por aqui: Não Confie Em Ninguém, do Charlie Donlea! Esse autor é sempre muito elogiado por seus thrillers e, como fã do gênero, estava animada pra conhecer sua escrita.

Garanta o seu!

Sinopse: O destino de Grace Sebold toma um rumo inesperado durante uma tranquila viagem com o namorado. O rapaz é assassinado… e ela é condenada pelo crime. Depois de dez anos na prisão, surge a chance de Grace provar sua inocência ao conhecer a cineasta Sidney. Em um documentário que exibe as falhas do processo, a cineasta questiona se a condenação foi fruto de incompetência policial ou se a jovem foi vítima de uma conspiração. Antes do término das filmagens, o clamor popular leva o caso ser reaberto, mas um novo fato provoca uma reviravolta: Sidney recebe uma carta anônima afirmando que ela está sendo enganada pela assassina. A cineasta começa a investigar o passado de Grace e quanto mais se aprofunda na história, mais dúvidas aparecem. No entanto, agora, o que está em jogo não é apenas a repentina fama e carreira, mas sua própria vida.

A premissa do livro reúne dois elementos que por si só me instigam muito: uma personagem não confiável e um documentário de true crime como pano de fundo. Vamos explorar o primeiro elemento: Grace Sebold é o foco do documentário de Sidney Ryan, uma cineasta em ascensão que produz documentários sobre condenados que alegam inocência pelos crimes dos quais foram acusados. Grace cumpre pena numa ilha caribenha pelo assassinato de seu namorado há 10 anos, em tese empurrado por ela de um penhasco. Durante todo o seu tempo de prisão, Grace, sua melhor amiga e sua família escreveram cartas para Sidney, pedindo para que ela investigasse seu caso, afirmando sem hesitar que Grace não foi responsável pela morte do rapaz. Sidney decide pesquisar a respeito, deparando-se então com várias falhas processuais tanto na investigação quanto no julgamento, fazendo então com que Grace seja a protagonista de sua próxima produção. Porém, durante essa investigação, Sidney também se aprofunda no passado de Grace e algumas peças não parecem se encaixar com os relatos de sua entrevistada, fazendo com que ela – e o leitor – passem a ter dúvidas sobre sua inocência. Quem é a verdadeira Grace Sebold? O que Sidney vai encontrar em suas pesquisas sobre ela? Essa ambiguidade deixa o leitor curioso para saber mais e mais a respeito da personagem, cuja aura de mistério é envolvente. E aí entramos no segundo elemento atrelado ao plot de Não Confie Em Ninguém: ele gira em torno de um documentário de true crime investigado em tempo real, e o autor explora isso para nos deixar curiosos e imersos. Ou seja, há capítulos focados no presente e na investigação de Sidney e outros focados em descrições sobre os episódios, que constroem a narrativa que põe em xeque a culpa de Grace. Esse paralelismo anda para o mesmo rumo até o ponto de ruptura, aí o leitor chega numa encruzilhada: em qual vertente acreditar? Na inocência ou na culpa de Grace?

Outro elemento que Charlie Donlea utiliza ao longo do livro pra manter o leitor fisgado é inserir conversas de um júri a respeito de um caso misterioso que está sendo discutido. É um pouco revoltante perceber os motivos que levam determinadas pessoas a serem escolhidas para liderar, ou como o machismo também afeta a capacidade de julgamento de outras, que estão dispostas a serem taxativas a respeito de uma decisão que vai impactar para sempre a vida de alguém mesmo sem ter todos os fatos debatidos e expostos ainda. Ao longo da obra, você se pergunta sobre quem essas pessoas estão falando, tenta descobrir se é a respeito do caso de Grace e faz o possível pra juntar essas pistas com o que vai descobrindo junto da investigação de Sidney. As entrevistas que a cineasta conduz com as pessoas de interesse são ricas em detalhes, revelando nuances do passado de Grace que a força policial de Santa Lúcia, o paraíso no qual a tragédia ocorreu e onde ela esteve presa, não fez questão de investigar.

Existem poucos personagens secundários, o que eu considero positivo. Isso dá margem para que todos sejam possíveis suspeitos, com motivos plausíveis para terem matado Julian, o namorado assassinado. Inclusive a própria Grace. Ninguém é eliminado completamente da equação, especialmente após a inserção na história de um ex-policial que envia uma carta a Sidney informando que ela possivelmente cometeu um engano ao acreditar na protagonista de seu documentário. Para o detetive aposentado, Grace é inegavelmente culpada, e coloca Sidney na pista que pode comprovar sua teoria. Com isso, Charlie Donlea busca deixar o caminho pavimentado para confundir ainda mais os leitores, e acredito que com muitos tenha funcionado. Porém, eu tenho duas opiniões divergentes sobre o final: eu não fui surpreendida pela pessoa responsável pela morte, porque consegui desvendar sua identidade; entretanto, fiquei de queixo caído com a ousadia do autor em ter escolhido o caminho que escolheu. Então, por mais que talvez a revelação da pessoa culpada possa ser descoberta pelo leitor, como foi o meu caso, Charlie Donlea ainda assim consegue surpreender pela tomada de decisão chocante da reta final da história. 

Não Confie Em Ninguém é um livro que você devora, pois é construído de uma forma ágil e que mantém você desconfiado do que está sendo dito nas páginas. Intercalando a investigação com cenas do documentário, você se sente parte da trama, como se o que estivesse acontecendo ali fosse real – o que torna a experiência muito imersiva. Talvez certos aspectos abertos do final desagradem alguns leitores, mas pra mim ficou uma sensação mais de “possibilidades” do que de “não fechamento”, por assim dizer, então o desfecho não chegou a me incomodar. Ou talvez eu só estivesse tentando levantar meu queixo mesmo, depois de ler certa cena. 😂 Foi uma ótima primeira experiência com Charlie Donlea e recomendo bastante pra quem gosta de livros do gênero!

Título original: Don’t Believe It
Autor:
Charlie Donlea
Editora: Faro Editorial
Número de páginas: 352
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Resenha: É Sobre Amor – Jenna Ortega

Oi pessoal, como estão?

Hoje vim compartilhar com vocês minhas impressões sobre um livro esperado por muitos: É Sobre Amor, da Jenna Ortega, que ganhou ainda mais notoriedade após seu papel como Wandinha.

Garanta o seu!

Sinopse: Eu quero que você saiba que não está sozinho. Estamos juntos. Jenna Ortega, estrela da série Wandinha, teve que equilibrar sua carreira como atriz, sua vida particular e muitas expectativas públicas desde bem jovem. Com isso, aprendeu que a única forma de superar esses desafios é por meio do amor: por seus amigos, sua família, sua fé e, acima de tudo, por si mesma. Ela usou a sabedoria que desenvolveu com seus fracassos e triunfos e colocou tudo neste livro de estreia, uma coleção de pensamentos e reflexões honestas e emocionantes. Dividindo histórias sobre o universo artístico, namoros, família, amizades e saúde mental, entremeadas por afirmações tocantes, Jenna mostra aos leitores que, enquanto houver amor, tudo é possível.

O livro foi escrito quando Jenna tinha 17 anos, e reúne anotações de seu diário, relatos de quando ela fez parte da série A Irmã do Meio, sua chegada em You e, principalmente, sua relação com a família e com a fé (porque a religião é uma parte bem importante da sua criação). Além disso, ela discorre sobre relacionamentos amorosos, aconselha os leitores sobre amizades e também fala sobre sua persistência no que diz respeito à carreira de atriz. Os assuntos prometem ser bem interessantes, mas a verdade é que eu fiquei me perguntando o que uma garota tão jovem teria de tão relevante pra dizer em termos de grandes experiências de vida. Decidi deixar meu preconceito de lado, afinal, cada processo e cada vida são únicos, e dar uma chance a essa leitura, torcendo para ser surpreendida por lições valiosas. Para a minha infelicidade, tais lições não vieram e minha percepção inicial se manteve: os conselhos de Jenna são dignos de um diário mesmo, e mais parecem frases prontas que eu encontraria no Tumblr.

Não me entendam mal, eu gosto muito dela e acredito que Jenna é uma atriz madura e sensível, com uma base forte para enfrentar as dificuldades que Hollywood impõe. Percebe-se, ao longo da leitura, que sua estrutura familiar sólida e suas crenças bem estabelecidas foram fundamentais pra construir essa jovem tão centrada que ela parece ser. Minha admiração (ainda que superficial, pois não a acompanho muito, apesar de gostar dos seus trabalhos) não mudou, e eu torço pra que ela continue com essa mesma postura para continuar crescendo nesse mercado tão competitivo e tóxico. Minha crítica diz respeito somente à forma como ela escreve mesmo, o que é esperado de uma adolescente de 17 anos que está compartilhando os pensamentos de um diário. E eu me sinto na obrigação de ser honesta sobre o teor das reflexões pra que vocês não comprem o livro pensando que vão encontrar conselhos profundos, porque não vão. São capítulos rápidos, curtos e superficiais, e você tem que ler nas entrelinhas e tirar leite de pedra pra encontrar lições que sejam valiosas pra você. Eu encontrei algumas, não nego, mas de forma geral não foi uma experiência marcante.

Eu gostaria de ter lido menos frases prontas e genéricas e mais relatos pessoais sobre as experiências de Jenna como pessoa e como atriz. O livro, apesar de ter sido baseado no diário dela, é surpreendentemente impessoal. Existem poucas passagens que mostrem realmente o quanto ela deu duro pra chegar onde chegou, como ela fez pra abrir tais caminhos ou quais foram as maiores dificuldades no set ou fora dele. No lugar desse tipo de abordagem, o livro é mais focado em conselhos sobre ser você mesma, não perder a fé, manter a gratidão e a positividade, coisas nesse sentido. Pra mim, foi complicado me manter conectada à Jenna, porque parecia que eu estava lendo algo muito plástico e cuidadosamente recortado, em vez de uma experiência real.

É Sobre Amor pode ser uma leitura bacana para jovens que estejam entrando na adolescência e busquem inspiração para começar essa faixa etária com uma referência positiva na vida e que possam ser mais facilmente impactados por “frases de Instagram”. Comigo não deu muito certo, mas como cada leitor tem uma experiência, fica a resenha sincera pra quem se sentir com vontade de ponderar a respeito e dar uma chance. 😉

Título original: It’s All Love: Reflections for Your Heart & Soul
Autora:
Jenna Ortega
Editora: Rocco
Número de páginas: 232
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Livro cedido em parceria com a editora.
Esse não é um publipost, e a resenha reflete minha opinião sincera sobre a obra.

Resenha: O Assassinato de Roger Ackroyd – Agatha Christie

Oi pessoal, tudo bem?

Pra terminar o ano, trago pra vocês uma dica literária que esteve presente na lista de favoritos de 2023: O Assassinato de Roger Ackroyd, da Agatha Christie. Afinal, nada melhor do que começar o próximo ano com uma boa leitura em vista, né?

Garanta o seu!

Sinopse: Em uma noite de setembro, o milionário Roger Ackroyd é encontrado morto, esfaqueado com uma adaga tunisiana – objeto raro de sua coleção particular – no quarto da mansão Fernly Park na pacata vila de King’s Abbott. A morte do fidalgo industrial é a terceira de uma misteriosa sequência de crimes, iniciada com a de Ashley Ferrars, que pode ter sido causada ou por uma ingestão acidental de soníferos ou envenenamento articulado por sua esposa – esta, aliás, completa a sequência de mortes, num provável suicídio. Os três crimes em série chamam a atenção da velha Caroline Sheppard, irmã do dr. Sheppard, médico da cidade e narrador da história. Suspeitando de que haja uma relação entre as mortes, dada a proximidade de miss Ferrars com o também viúvo Roger Ackroyd, Caroline pede a ajuda do então aposentado detetive belga Hercule Poirot, que passava suas merecidas férias na vila. Ameaças, chantagens, vícios, heranças, obsessões amorosas e uma carta reveladora deixada por miss Ferrars compõem o cenário desta surpreendente trama, cujo transcorrer elenca novos suspeitos a todo instante, exigindo a habitual perspicácia do detetive Poirot em seu retorno ao mundo das investigações. O assassinato de Roger Ackroyd é um dos mais famosos romances policiais da rainha do crime.

Do vasto portfólio de obras da Rainha do Crime, até o momento eu só tinha lido E Não Sobrou Nenhum, então estava curiosa pra ler alguma aventura do Hercule Poirot. Em O Assassinato de Roger Ackroyd, acompanhamos uma versão aposentada do detetive, que está vivendo na pacata vila de King’s Abbott. As coisas se agitam quando duas mortes acontecem em rápida sucessão: primeiro, o suicídio da viúva Miss Ferrars; em seguida, o assassinato inesperado do ricaço Roger Ackroyd, com quem supostamente ela estava se relacionando. Quando o enteado de Ackroyd, Ralph Paton, é acusado do assassinato, sua noiva, Flora (sobrinha de Ackroyd), implora a Poirot que investigue o caso e prove sua inocência (diferentemente do que diz a sinopse, viu?). O detetive então resolve ajudá-la, e é assistido informalmente pelo narrador da história, o Dr. James Sheppard, médico e amigo de Ackroyd.

Confesso que, de início, demorei um pouco a me conectar com o livro. Somos apresentados a muitos personagens em uma dinâmica cheia de diálogos que parecem supérfluos. Aos poucos, porém, o leitor vai compreendendo que as fofocas dos personagens dão o tom que representam o clima geral de King’s Abbott: todos ali cuidam da vida uns dos outros, vigiam seus afazeres e sabem detalhes não ditos que podem interferir na investigação de Poirot. Entender esse padrão de comportamento, esse “pacto de silêncio” para manter os próprios segredos (e fofocas), é fundamental pra compreender qual é a atmosfera geral da ambientação da história, e aos poucos essa estranheza passa e a peculiaridade dos personagens se torna natural. Todos as pessoas que conviveram com Ackroyd no dia de sua morte – funcionários, amigos e familiares – são investigados por Hercule Poirot, e ele não deixa pedra sobre pedra, ainda que não fique claro pra ninguém qual é a linha investigativa que está sendo utilizada. Agatha Christie não divide os pensamentos de seu detetive com o leitor, mantendo-o misterioso para os personagens e para nós.

Ou, pelo menos, era isso que ela esperava aqui. Diferente do que vi muita gente comentando por aí, de que o final é surpreendente e pega o leitor desprevenido, eu consegui descobrir o assassino com as pistas que foram sendo dadas ao longo da história. Os diálogos de Poirot com alguns personagens – com o suspeito, em especial – foram plantando a semente da desconfiança na minha cabeça. Quando a autora conduziu a revelação, não houve surpresa. Isso acabou tirando parte do brilho da história e um pouco da graça também, já que é divertido ser surpreendida pelo plot twist em livros policiais. Contudo, como aspecto positivo, reconheço que as pontas soltas ao longo da história foram bem amarradas para levar à conclusão apresentada e para a pessoa responsável pelo assassinato, então nesse sentido fiquei satisfeita.

Me diverti bastante com a personalidade de Poirot. Eu só havia assistido a adaptações dos livros da Agatha Christie (seja por meio de filmes ou minisséries da BBC), então não tinha nenhum material original no qual me basear. Achei o personagem bastante eloquente e pitoresco, com um ego bem fortalecido (rs) e frases misteriosas e soltas que deixam o tom da história engraçado. Fiquei com vontade de ler mais livros protagonizados por ele pra saber se vou gostar. Aceito dicas nos comentários. 😀

O Assassinato de Roger Ackroyd é um livro policial que entretém e apresenta um Poirot afiado, mesmo aposentado. Ele mostra ao leitor e às pessoas de King’s Abbott que não deve ser subestimado, mesmo quando seu foco é apenas relaxar plantando abobrinhas. 😂 Achei que o livro começa de forma lenta e demorou um pouco pra me fisgar, mas conforme a investigação do detetive ganha ritmo, o livro fica mais divertido e envolvente. Mesmo que eu tenha descoberto o assassino, o processo de tentar fazer isso foi muito divertido. Eu tenho lido muitos thrillers, e estava com saudades de ler um livro policial raiz, no estilo “whodunnit”, e me distrair tentando descobrir o culpado por trás do crime. Se você também gosta desse estilo, acho que você vai curtir essa leitura! 😉

Título original: The Murder of Roger Ackroyd
Autora:
Agatha Christie
Editora: Globo Livros
Número de páginas: 312
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Aproveito para encerrar esse post deixando meus votos de um feliz 2024 pra todos vocês! ✨
Obrigada de coração por me acompanharem em mais um ano. Vejo vocês por aqui no próximo? Espero que sim! ❤

Resenha: Amêndoas – Won-pyung Sohn

Oi pessoal, tudo bem?

É sempre difícil pra mim escrever sobre livros hypados, especialmente quando eles não causam em mim a mesma comoção que nos outros leitores. Por isso, demorei meses pra vir falar sobre Amêndoas com vocês.

Garanta o seu!

Sinopse: Yunjae nasceu com uma condição neurológica chamada alexitimia, ou a incapacidade de identificar e expressar sentimentos, como medo, tristeza, desejo ou raiva. Ele não tem amigos ― as duas estruturas em forma de amêndoas localizadas no fundo de seu cérebro causaram isso ―, mas a mãe e a avó lhe proporcionam uma vida segura e tranquila. O pequeno apartamento em que moram, acima do sebo da mãe, é decorado com cartazes coloridos com lembretes de quando sorrir, quando agradecer e quando demonstrar preocupação. Então, no seu décimo sexto aniversário, véspera de Natal, tudo muda. Um ato chocante de violência destrói tudo que Yunjae conhece, deixando-o sozinho. Lutando para lidar com a perda, o garoto se isola no silêncio, até a chegada do problemático colega de escola Gon. Conforme começa a se abrir para novas pessoas, algo se modifica lentamente dentro dele. Quando suas novas amizades passam a apresentar níveis de complexidade, Yunjae precisará aprender a lidar com um mundo que não compreende e até se colocar em risco para sair de sua zona de conforto.

Somos apresentados a Yunjae, um jovem que foi diagnosticado com uma condição rara: suas amígdalas – partes do cérebro parecidas com pequenas amêndoas, responsáveis por processar e regular as nossas emoções – são subdesenvolvidas desde seu nascimento, por isso ele foi diagnosticado com alexitimia, ou a incapacidade de indentificar e expressar sentimentos como medo, tristeza, desejo ou raiva. Para lidar com essa situação incomum, a mãe e a avó de Yunjae criaram um ecossistema pensado para protegê-lo: elas lhe ensinaram tudo que podiam sobre expressões faciais, respostas e reações ideais a diversas situações, treinaram com ele diálogos hipotéticos e imprimiram cartazes pela casa com palavras importantes que ele precisaria aprender. Em seu pequeno mundo controlado, Yunjae estava em paz. Os três viviam juntos e felizes em cima do sebo da mãe de Yunjae, ele frequentava a escola e existia harmonia na rotina da família. Porém, uma tragédia acontece em seu aniversário de 16 anos, levando à morte de sua avó e ao coma de sua mãe. Yunjae se vê sozinho pela primeira vez, tendo que enfrentar o desconhecido em um mundo que não está preparado para lidar com suas peculiaridades. A partir daí, o jovem é exposto a novos personagens, com destaque para dois: o Dr. Shin, amigo de sua mãe e dono do prédio em que eles moram, que se torna uma espécie de amigo e mentor do rapaz; e Gon, seu novo colega de escola, um rapaz briguento e problemático que cruza o caminho de Yunjae de um modo bastante marcante.

O livro é narrado pela ótica de Yunjae, acompanhando sua vida e sua perspectiva. Os capítulos são curtos e fáceis de ler, com uma narrativa leve e fluida que fazem o virar das páginas ser bastante ágil. Porém, apesar dessas características, demorei mais do que gostaria pra concluir essa leitura. E o motivo é fácil de resumir: desconexão com o protagonista, pois Yunjae não é um personagem ao qual me afeiçoei. A forma como ele narra é, obviamente, sem sentimentos, mas nem foi (só) por isso que o livro não me cativou. Acredito que eu esperava uma narrativa mais reflexiva, mas ela é muito mais factual: ele apenas vai contando o dia a dia dele, e as reflexões sobre o que ocorre não são poéticas ou profundas. Isso torna o livro ágil e fácil de ler, porém, superficial. Talvez o público-alvo dele seja muito jovem, ou talvez seja uma escolha estilística intencional pra refletir a sensação da alexitimia do personagem, mas acabou me afastando emocionalmente da obra. Tanto que a primeira parte, focada na condição de Yunjae, na qual ele reflete mais sobre como sua mãe e sua avó construíram o universo particular deles para prepará-lo para o futuro, foi a parte mais intrigante, porque era menos focada nos fatos cotidianos e mais reflexiva sobre seu universo peculiar.

Somada à minha indiferença por Yunjae, existe o fato de que Gon foi um personagem que roubou a cena. Isso, por um lado, é muito positivo, mas também acabou atrapalhando um pouco a conexão com a história como um todo. Explico: o lado bom é que o livro me ofereceu um personagem por quem torcer e por quem me afeiçoar. Gon tem uma origem sofrida e camadas muito instigantes, que mesclam seu coração empático, sua forma reativa de agir, sua violência contra o mundo e seu profundo sofrimento. Ao mesmo tempo que sua primeira aparição o mostra com uma faceta de um típico bully, aos poucos ele revela sua sensibilidade e seu lado mais doce, o que faz dele alguém fascinante e com quem o leitor deseja passar mais tempo. E esse é o lado “negativo”, digamos assim: Gon é tão interessante que eu gostaria de ler uma história todinha sobre ele. Gostaria de saber mais sobre seu relacionamento com o pai, sobre seu ponto de vista da amizade com Yunjae e também seu processo de cura. O problema é que quando Gon não estava em cena e eu precisava voltar minha atenção para Yunjae novamente, eu perdia o interesse e voltava a me arrastar pelas páginas, porque sentia que o carisma da história tinha ido junto com Gon.

Por fim, fiquei decepcionada com o ritmo veloz e o final abrupto da última parte do livro. Tudo acontece de forma súbita e, ademais, temos um desfecho otimista quase surreal de tão repentino, vindo após uma sequência bastante intensa de ação que, por sinal, achei mal escrita e explicada envolvendo Yunjae, Gon e Arame, um antagonista que aparece nos capítulos finais. O epílogo do personagem principal pareceu desencaixado com o que eu havia lido até então, resolvendo tudo de uma forma meio etérea. Contudo, é preciso fazer um disclaimer aqui: essa questão mais pura e otimista do final pode ser uma característica da cultura sul-coreana com a qual eu ainda não estivesse acostumada no momento da leitura. Conforme tenho assistido mais doramas, tenho percebido que isso ocorre também em produções audiovisuais, e aos poucos estou me acostumando mais com algumas escolhas desse estilo. Então achei importante trazer esse adendo pra ponderar minha própria estranheza rs.

Em suma, Amêndoas é um livro com um potencial gigantesco, mas que não funcionou comigo. Senti muita apatia enquanto lia a história, que acabou sendo uma experiência mediana pra mim. Gon foi o grande responsável pelo aspecto positivo da leitura, e foi por ele e por sua relação com Yunjae que eu resolvi dar 3 estrelas quando avaliei o livro no Skoob. Contudo, a sensação que a obra deixou foi bastante agridoce, especialmente levando em conta o hype envolvido em torno do título. E você, já leu Amêndoas? O que achou?

Título original: Almond
Autora:
Won-pyung Sohn
Editora: Rocco
Número de páginas: 288
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Livro cedido em parceria com a editora.
Esse não é um publipost, e a resenha reflete minha opinião sincera sobre a obra.

Resenha: Nada Fica no Passado – Jennifer Hillier

Oi pessoal, tudo bem?

Depois de muita demora, finalmente encontrei um thriller pra me fazer mergulhar de cabeça: Nada Fica no Passado, da Jennifer Hillier. Mas antes de partirmos pra resenha, fica o aviso de gatilho, pois esse livro tem cenas explícitas de estupro, mutilação e assassinato. Se você se considera sensível para leituras com esses temas, talvez não seja o melhor título pra você. Dito isso, bora saber mais sobre a história – que é surpreendente!

Garanta o seu!

Sinopse: Esta é a história de três amigos: uma que foi assassinada, uma que foi para a prisão e aquele que está procurando a verdade por 14 anos… Por quanto tempo você consegue guardar um terrível segredo? A garota mais popular da escola, Angela Wong, tinha apenas dezesseis anos quando desapareceu sem deixar vestígios. Até então, ninguém suspeitou que sua melhor amiga, Georgina, agora vice-presidente de uma grande empresa farmacêutica, estivesse envolvida em seu desaparecimento, exceto, Kaiser Brody, que se tornou detetive do Departamento de Polícia de Seattle e era colega das duas no ensino médio. Catorze anos depois, os restos mortais de Angela são finalmente encontrados e a verdade vem à tona: Angela foi vítima de Calvin James, primeiro amor obsessivo de Georgina. Calvin, o serial killer, havia assassinado pelo menos outras três mulheres. Durante todos esses anos, Geo sabia o que tinha acontecido com sua melhor amiga, mas guardou o segredo. Após Geo ir para a prisão, todos acharam que o caso foi solucionado. Mas o que aconteceu naquela noite é mais complexo e arrepiante do que qualquer um realmente sabe. Então, o passado alcança o presente de forma mortal, quando novos corpos começam a aparecer, mortos exatamente da mesma maneira que Angela Wong. Qual o limite de alguém disposto a enterrar seus segredos? Como uma grave mentira pode transformar uma vida? E quais são as consequências disso?

A sinopse é bem clara sobre a história, então não vou me alongar sobre e isso e partirei para minhas impressões a respeito da obra. Nada Fica no Passado já começa nos apresentando a uma Georgina sendo julgada e presa, então nos deparamos com uma protagonista ambígua e (obviamente) nada inocente. Como lidar com o fato de que ela escondeu a verdade sobre o assassinato da melhor amiga por 14 anos? Como empatizar com uma personagem assim? Porém, Jennifer Hillier é inteligente e sabe conduzir a história de forma a mostrar as fragilidades e o lado humano de Geo, assim como seu sofrimento na prisão: os abusos que ela sofre, a culpa que ela carrega e o fardo de que ainda existem outros segredos não revelados no julgamento. Esses segredos permeiam o livro todo e fazem o leitor ficar curioso pra saber o que Geo esconde, porque de algum modo a autora deixa a isca ali: quando descobrirmos esse segredo é quando realmente entenderemos o que aconteceu e por que Geo manteve a morte de Angela em segredo.

A narrativa se divide ora pela ótica de Geo, ora pela de Kaiser, que apesar de ter todos os motivos do mundo pra se ressentir da protagonista, não consegue se desvencilhar dos seus sentimentos por ela. Ou seja, nenhum personagem nesse livro é totalmente são ou totalmente ético, e mesmo Kaiser tem algum parafuso a menos por conseguir manter seus sentimentos vivos após descobrir o envolvimento de Geo no assassinato da melhor amiga dos dois. O papel dele ao longo do livro é oferecer a etapa investigativa do thriller, o que é bem interessante, mas eu diria que não é o grande foco da obra; sua contribuição também gira em torno das lembranças do Ensino Médio e de sua raiva em torno de Calvin, o ex-namorado de Geo e serial killer responsável pela morte de Angela e de outras mulheres depois dela. Por meio de algumas memórias de Kai, o leitor percebe que Geo se transformava em outra pessoa perto de Calvin, contribuindo pra narrativa de relacionamento abusivo que o livro constrói.

Esse, aliás, é o cerne de Nada Fica no Passado. Mais do que descobrir o paradeiro de Calvin – que fugiu da prisão e está sendo suspeito de matar mulheres para chamar a atenção de Geo –, a trama nos leva pela tempestade turbulenta que é o passado de Georgina. Além de sua amizade disfuncional e competitiva com Angela, que inclusive a impeliu ainda mais a querer a atenção de Calvin, a história nos mostra com detalhes todas as etapas do seu namoro com o rapaz mais velho, que ela conheceu aos 16 anos e foi responsável pela sua destruição física e psicológica. Como em todo relacionamento abusivo, Calvin começou como um galanteador e um amante gentil, que respeitava inclusive a virgindade de Geo e a fazia se sentir a pessoa mais especial do mundo; com o tempo, porém, as agressões físicas e as brigas passaram a fazer parte do cotidiano dos dois, e a dependência e manipulação emocionais eram tantas que Geo media cada palavra que dizia, com medo de irritá-lo. Esse contexto é trabalhado com a calma devida, porque é fundamental pra construir o clímax que muda a vida de todos para sempre.

Mas por mais que Jennifer Hillier construa uma protagonista que sofreu muito e saiba construir camadas de humanidade que nos fazem sofrer com e por ela, fica o aviso: ninguém é completamente inocente nessa história. Tampouco apenas vítimas. A complexidade dos personagens é um dos pontos fortes do livro, e é onde a autora mais brilha. Em contrapartida, como aspecto negativo, eu diria que o final é um pouco anticlimático. Eu gosto da revelação que acontece, mas acredito que os acontecimentos em si são narrados de forma muito rápida e conveniente. A sequência final é corrida e me soou um tanto brusca, e por conta disso acabei tirando meia estrela do livro.

Nada Fica no Passado é um livro com personagens complexos e uma protagonista que promete dividir opiniões e mexer com os sentimentos do leitor. É impossível ficar imune a sentir alguma coisa por Georgina Shaw, isso eu te garanto. Esse thriller foi um respiro em meio a tantos livros genéricos e “mais do mesmo” que eu vinha lendo, renovando minha esperança no gênero. Recomendo muito!

Título original: Jar of Hearts
Autora:
Jennifer Hillier
Editora: Faro Editorial
Número de páginas: 288
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Resenha: Antes Que o Café Esfrie – Toshikazu Kawaguchi

Oi pessoal, tudo bem?

Antes Que o Café Esfrie foi um livro que esteve na minha TBR por muito tempo, e esse ano finalmente realizei essa leitura – que me deixou numa ressaca literária violenta, pois mexeu muito com as minhas emoções. Vamos conhecer essa obra incrível?

Garanta o seu!

Sinopse: Em uma ruazinha estreita e silenciosa de Tóquio, num subsolo, existe um estabelecimento que, há mais de 100 anos, serve um café cuidadosamente preparado. Graças a uma lenda urbana, o local recebe diversos frequentadores que esperam ansiosamente para viver uma experiência única: fazer uma viagem no tempo. Aqueles que retornam ao passado devem estar cientes dos riscos e também das regras, já que a jornada exige que o cliente se sente numa cadeira específica e reencontre somente pessoas que já tenham visitado o estabelecimento. Mesmo assim, quatro personagens aproveitam a oportunidade para tentar resolver dramas do passado. A experiência é imperdível, mas o tempo é curto. Mais precisamente, até o café esfriar.

O livro se passa inteiro no mesmo ambiente, o café Funiculì Funiculà – popularmente conhecido como Café da Viagem no Tempo devido às lendas urbanas que circulam sobre o local. Diz-se que, sentando-se em uma determinada cadeira do café, você pode viajar no tempo, mas essa viagem nunca foi confirmada porque existem tantas regras (e riscos) que a maioria das pessoas simplesmente não acredita ou desiste. O livro é dividido em 4 capítulos focados nas viagens de personagens diferentes, mas todos eles estão interligados e se conhecem, e a narrativa segue de forma linear, então sabemos as consequências de tudo que vai acontecendo ao longo da história. Além disso, a narrativa de Toshikazu Kawaguchi é fluida e deliciosa de ler, de modo que você nem sente o tempo passar: as palavras envolvem você como um café quentinho. 

No primeiro capítulo, somos apresentados a Fumiko, que deseja voltar ao passado para reencontrar o seu ex-namorado dizer a ele seus verdadeiros sentimentos no momento em que ele anunciou que estava indo embora do país. Seu grande arrependimento foi não ter revelado o que realmente sentia, fazendo parecer que a ida dele não iria causar impactos profundos em seu coração. É no capítulo de Fumiko que também conhecemos os outros personagens, inclusive os donos do café (Nagare e sua esposa, Kei), a responsável por servir o café que transporta para o passado (Kazu) e alguns dos clientes recorrentes (como Hirai, Fusagi e uma mulher misteriosa vestida de branco). Essa mulher de branco representa o maior risco da viagem no tempo: você não retornar antes que o café esfrie e ficar preso entre os mundos, tornando-se um fantasma. É ela quem dá o senso de urgência necessário no aspecto fantástico da obra.

No segundo capítulo, acompanhamos o drama de Hirai, que fugiu da irmã mais nova a vida inteira após ter cortado relações com a família. Quando uma tragédia atinge a família, ela deseja retornar ao passado para poder ter uma última conversa. O terceiro capítulo é focado em Fusagi e em Kohtake, sua esposa. No presente, os dois estão vivendo uma vida de paciente e enfermeira (que é a profissão de Kohtake), e não mais de marido e mulher, devido a tristes circunstâncias. Fusagi deseja viajar no tempo e aguarda pacientemente a mulher de branco sair da cadeira, mas é Kohtake quem aproveita a oportunidade. No passado, ela reencontra o marido em uma ocasião específica: ele deseja lhe entregar uma carta. O plot deles é super dramático, mas também bonito e muito inspirador. Por fim, temos o quarto capítulo, aquele que me destruiu por completo: ele é focado em Kei. Ela é uma mulher empática, está sempre preocupada com o bem-estar dos outros, quer alegrar a todos, mas tem a saúde frágil e vive sendo hospitalizada. Ela está grávida e isso pode colocar sua vida em risco. Sua viagem no tempo representa uma decisão importantíssima e é cheia de reviravoltas de deixar o coração na boca.

Uma regra importantíssima das viagens do tempo é que, não importa o que você faça no passado, nada muda no presente. Isso faz com que os personagens se perguntem: “qual é o ponto de fazer a viagem então?”. O leitor também se questiona isso no início, afinal, por que passar pelo sofrimento de revisitar momentos dolorosos se você não pode fazer nada sobre eles? Mas conforme presenciamos os personagens tendo a chance de reviver certos momentos (e sabendo que, no passado, o que você fizer realmente vai acontecer), percebemos que o que importa é a mudança que ocorre em quem vive a experiência da viagem: ninguém sai ileso dela. O coração das pessoas que viajam no tempo é permanentemente transformado, assim como suas vidas. Decisões são tomadas por causa das viagens no tempo, destinos são mudados, novas escolhas são feitas, reconexões acontecem e futuros são transformados graças a esses momentos que só aconteceram por causa das viagens, devido às novas facetas e informações sobre a pessoa que o viajante foi encontrar. Essa é a lição que os viajantes aprendem no final.

É impossível não pensar sobre nossos arrependimentos, sobre o que faríamos se pudéssemos fazer algo diferente também. Mas a lição mais preciosa de Antes Que o Café Esfrie gira em torno de aproveitar cada segundo com quem amamos, seja no presente, no passado ou no futuro. Mesmo durante a viagem, há pouquíssimo tempo para desfrutar, somente o período até o café na xícara esfriar. É um lembrete de que cada instante é precioso e que deve ser apreciado com sabedoria e amor, pois cada pessoa só pode fazer a viagem uma vez – uma alegoria para nossas próprias vidas. Antes Que o Café Esfrie me arrancou lágrimas do início ao fim, marcando profundamente o meu coração e entrando pra seleta lista de livros dos quais vou lembrar pra sempre. Espero que você tenha a oportunidade de ler também. ❤

Título original: Before the Coffee Gets Cold
Série: Antes Que o Café Esfrie
Autor:
Toshikazu Kawaguchi
Editora: Valentina
Número de páginas: 208
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Resenha: Ponte do Medo – Taylor Adams

Oi pessoal, tudo bem?

Um livro que esteve na minha wishlist por muuuito tempo foi Ponte do Medo, um thriller bastante elogiado aqui na blogosfera. Esse mês finalmente o li, mas será que ele atendeu às altíssimas expectativas?

Garanta o seu!

Sinopse: Três meses atrás, Cambry, a irmã gêmea de Lena, dirigiu até uma ponte remota e saltou 60 metros para a morte. Pelo menos, essa é a versão oficial da polícia. Então, Lena pega a estrada, dirigindo o carro da irmã, munida de um gravador, determinada a descobrir o que realmente aconteceu, para entrevistar o policial no local onde ele encontrou o corpo de Cambry. O cabo Raymond aceita encontrar Lena. Ele é simpático, franco e profissional. Mas sua história não parece se encaixar. Registros de ligações da irmã para a polícia e mensagens cortadas com partes reveladoras desenham algo mais complexo. Lena fará de tudo para revelar a verdade. Mas, conforme vai descobrindo mais detalhes, a busca se transforma em uma luta pela própria sobrevivência – pois colocará à prova tudo o que ela achava que sabia sobre a irmã e sobre si mesma.

Após o suicídio de Cambry, sua irmã gêmea, Lena Nguyen está decidida a viajar até a ponte da qual ela se atirou (conhecida como Ponte do Grampo) e entrevistar pessoalmente o cabo Raycevic, policial que encontrou seu corpo. O que ninguém imagina é que Lena tem fortes motivos para desconfiar que Cambry na realidade não se suicidou, e o cabo pode ser a peça central pra descobrir o que realmente aconteceu com sua irmã. Munida de um plano ousado, um gravador, uma Beretta carregada e toda a sua coragem, Lena embarca numa missão de vida ou morte para cavar até o fundo do mistério.

Ponte do Medo é um daqueles livros que são perfeitamente planejados para se transformar em um roteiro de filme repleto de ação. Toda a história se passa em duas linhas do tempo – a do passado acompanha a noite da morte de Cambry, a do presente acompanha o encontro de Lena e Raycevic – e, em ambas, tudo transcorre em uma única cena. Pra mim, em vez de causar um efeito eletrizante, acabou fazendo com que a maior parte da obra se tornasse enfadonha e cansativa: não consegui ficar entretida lendo mais de um capítulo focado na fuga de carro de Cambry, por exemplo. Aliás, tudo que se passava no passado, se tinha alguma intenção de me manter entretida, falhou. Somente na reta final o autor coloca uma sacadinha interessante nessas passagens, sobre a qual não posso falar pois seria spoiler. 😂

As cenas que se passam no presente são mais interessantes, porque colocam em xeque nossa confiança nos personagens. Os diálogos e o embate psicológico entre Lena e o cabo Raycevic são interessantes de acompanhar. Ele tenta convencê-la de que é inocente e de que Cambry realmente pulou da ponte; Lena quer obrigá-lo a admitir que a assassinou, gravando sua confissão. Ao longo das páginas, Raycevic vai nos dando pistas dúbias sobre suas verdadeiras intenções, o que faz dele um personagem misterioso e imprevisível. Mas Lena também surpreende ao revelar habilidades e um plano mais bem estruturado do que o policial (e o leitor) esperava. Contudo, confesso que no momento em que o livro se embreta por um caminho focado em trocas de tiros e Lena se transforma numa Lara Croft, meu interesse se esvai novamente. Cenas de ação nesse estilo não fazem a minha cabeça, especialmente porque não considero verossímil a forma como as coisas aconteceram no livro (ainda que o autor tente justificar as habilidades da protagonista ao narrar sua dedicação nas aulas de tiro).

Como Ponte do Medo é muito visual e focado na ação, sobra pouquíssimo espaço pro desenvolvimento psicológico dos personagens, e isso faz com que suas motivações se tornem fracas – especialmente as de Lena. Não consegui me sentir envolvida pela conexão que ela sente com Cambry em nenhum momento, especialmente pra fazê-la se expor do jeito que se expôs. Novamente o plot do cabo Raycevic se tornou mais atrativo pra mim, ainda que previsível, devido às pistas que o autor foi dando pelo caminho. Vale dizer que essas pistas também levaram a um final bem redondinho, e eu encaro isso de forma bastante positiva. Apesar de ter me enrolado pra ler mais da metade do livro, o terço final dele começou a me instigar e conectar de modo satisfatório partes da história que vinham sendo apresentadas aos pouquinhos.

Em resumo, não acho que Ponte do Medo mereça o hype que eu vi o título receber por aí e acho que fui com muita sede ao pote, me decepcionando um pouco quando finalmente pude tê-lo em minhas mãos. Por outro lado, não é um livro ruim e tem uma história interessante e bem amarradinha, se você não esperar um grande desenvolvimento de personagens e curtir uma pegada mais focada em ação. Não é o meu caso, então por isso acabou não sendo o melhor título do gênero pra mim, mas a satisfação com o final da história foi o bastante pra considerar a experiência proveitosa em algum nível. Recomendo que, se a história te interessar, você dê uma chance pra tirar suas próprias conclusões. Meu conselho é: só tenha cuidado com o hype!

Título original: Hairpin Bridge
Autor:
Taylor Adams
Editora: Faro Editorial
Número de páginas: 256
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Resenha: A Volta da Chave – Ruth Ware

Oi pessoal, tudo bem?

Como fã de um bom thriller e tendo tido ótimas experiências com os livros da Ruth Ware, estava ansiosa pra conferir seu novo lançamento, A Volta da Chave. Vamos conhecer? 🗝

Garanta o seu!

Sinopse: Rowan Caine está desesperada. Na prisão, ela enfrenta todos os dias o terror do que viveu e do que lhe aguarda caso não consiga provar sua inocência. É por isso que decide escrever para o famoso dr. Wrexham, conhecido entre as detentas como o advogado das causas impossíveis. O problema é que descrever os acontecimentos que levaram à sua prisão não é uma tarefa nada fácil. Rowan tenta explicar tudo o que aconteceu — desde sua chegada à impressionante Residência Heatherbrae, com o aplicativo que controla as luzes, a geladeira e mesmo as câmeras presentes em cada canto da casa, até as crianças de quem deveria cuidar, muito diferentes da imagem idílica que os patrões de Rowan pintaram durante a contratação. A cada dia que passa, Rowan se vê mais e mais envolvida na atmosfera sufocante. Sozinha com crianças determinadas a afastá-la, sem ninguém mais com quem contar além do caseiro misterioso, a babá começa a ver e ouvir coisas. Apesar de sua personalidade cética, ela não consegue deixar de se perguntar se os rumores que correm pela vila a respeito de assombrações são verdadeiros…

O livro é narrado por meio das memórias de Rowan, uma babá que está aguardando julgamento na prisão, acusada do assassinato de uma das crianças da família Elincourt, pelas quais era responsável. Essas memórias estão sendo transcritas em uma carta para o Sr. Wrexham, conhecido pelas detentas como o “advogado das causas impossíveis”, e Rowan espera que, se for sincera sobre tudo que aconteceu na casa dos Elincourt, ele vá aceitar defendê-la. Esse é o gatilho para Rowan voltar ao passado e relembrar uma experiência que mistura uma sensação de vigilância constante em uma casa inteligente hiperconectada com um passado assombroso repleto de histórias sobrenaturais que assustaram todas as babás que por lá passaram. Teria a morte da criança um motivo inexplicável também? Rowan seria mais uma vítima dessa casa? Ou sua história é uma tentativa vã de construir uma narrativa que a inocente? É em torno dessas perguntas que o livro gira, tentando captar a curiosidade do leitor.

Eu adoro histórias com ambiguidades e também protagonistas não confiáveis, como acontece aqui. Desde o início, Rowan já avisa: ela não é a imagem de babá perfeita, apaixonada por crianças, que sempre faz as escolhas certas e tem a postura ideal. Isso obviamente faz com que o leitor (e, ela supõe, o advogado) tenha um certo pé atrás a respeito de sua inocência, ou seja, a protagonista não ganha a nossa plena confiança logo de cara como um privilégio nato. Porém, aos poucos, conforme ela vai relatando o processo pelo qual ela passou para se candidatar à vaga de babá na casa da família Elincourt, sua entrevista, sua adaptação com as crianças e sua nova rotina na casa, começamos a confiar na sua inocência e acreditar que ela não é uma assassina e que algo sombrio de fato aconteceu lá.

Rowan é contratada por Sandra e Bill Elincourt, ainda que somente Sandra se dê ao trabalho de entrevistá-la. Os dois são arquitetos e reformaram completamente uma mansão vitoriana isolada na Escócia, construindo um espaço anacrônico: enquanto parte da casa manteve o padrão antigo, seguindo à risca os moldes dos séculos passados, outra parte foi simplesmente demolida e reconstruída com o que há de mais moderno na arquitetura. Além disso, tudo no local é conectado a um aplicativo, há câmeras em todos os ambientes e esse mesmo sistema controla do sistema de segurança até a máquina de café. É opressor e sufocante, e Rowan se encanta com essa modernidade ao mesmo tempo que se assusta com ela. Porém, seu desejo de fazer parte daquele mundo é muito maior que qualquer desconforto, e ela aceita o emprego mesmo sabendo das red flags da casa e também das babás anteriores, que se assustaram com algumas lendas urbanas envolvendo mortes ocorridas no local. E aproveito esse parágrafo pra fazer minha primeira crítica negativa ao enredo: Ruth Ware faz uma salada mista aqui cujos sabores simplesmente não se completam de maneira harmoniosa. 

Havia duas opções com potencial aqui: uma delas era ir com tudo em uma história que focasse na problemática do excesso de tecnologia, de como a vigilância constante que uma casa inteligente promove pode ultrapassar limites antiéticos, enfim… há todo um universo que gira em torno desse universo. Por outro lado, há também o lado sobrenatural da história: a mansão tem um histórico de pessoas que morreram nela, existe um jardim no terreno cheio de plantas venenosas que levaram à morte de uma garotinha e que gerou a uma lenda urbana de que o fantasma dela ainda assombra a casa, assim como o fantasma de seu pai, que caminha pela casa arrependido e culpado pela morte da filha (já que ele era um químico que estudava tais plantas venenosas). Essa história também tem muito pano pra manga, e é justamente onde Ruth Ware escolhe focar, portanto o plot da casa inteligente acaba ficando em segundo plano e me causou uma sensação de “poxa vida, então pra quê essa história tá aqui? Precisava mesmo perder tempo com isso? Não podia focar só na parte que importa?”. O mesmo anacronismo da obra que Sandra e Bill fizeram na casa eu senti na construção do enredo de A Volta da Chave, e eu não digo isso como um elogio. :/ 

Outro ponto que infelizmente não me ganhou nesse livro foi a dinâmica de Rowan com as crianças. Sandra e Bill viajam logo que Rowan chega, deixando a babá sozinha com suas três filhas mais novas (Maddie, Ellie e Petra). Chamar de irresponsáveis é pouco, eu diria, mas tudo bem, vamos seguir o baile. Acontece que Rowan parece nunca ter sido babá na vida – o que não é o caso, já que ela trabalhava numa creche. As meninas estão traumatizadas pela alta rotatividade das babás, e isso é compreensível, o que faz com que Maddie e Ellie (as mais velhas) sejam mais resistentes. Mas, independentemente disso, Rowan passa o livro inteiro num embate constante com as meninas, e sempre perdendo todos eles. Ela não consegue exercer sua autoridade em nenhum momento, não consegue controlar as situações e tampouco a narrativa que deve ser reportada a Sandra, o que é enervante. Some isso ao fato de que ela cria um crush no faz-tudo da residência, Jack, e aí o circo está montado: é muuuito difícil visualizar Rowan como uma pessoa competente e que deveria estar exercendo o papel de babá. Ou seja, como leitora, passei a acreditar na inocência dela em relação ao assassinato, mas não tinha total certeza se ela não era alguém despreparada e negligente.

Entrando no aspecto sobrenatural da história, o livro foca bastante em construir o cansaço mental de Rowan. Ela começa a escutar ruídos de passos vindos de uma porta trancada no seu quarto, a qual ela própria não tem a chave, mas que parece dar em um sótão. Além disso, coisas estranhas começam a acontecer, como campainhas tocarem sozinhas, luzes se acenderem, música alta tocar de madrugada, entre outras ocorrências assim. Aí você me pergunta: não pode ser bug do aplicativo? Sim, foi o que pensei, e é por isso que o plot da casa inteligente me incomodou. Pra mim, ele atrapalhou a sensação de medo que o enredo da assombração deveria causar, porque eu ficava me perguntando se não era nenhuma das crianças (Maddie, especialmente, que era mais velha e não gostava de Rowan) aprontando. Até nisso a escolha de misturar as narrativas acabou se atrapalhando. 😦 

Por fim, devo dizer que o final me chocou bastante, e eu gostei muito da escolha de quem morreu e de quem era responsável por isso (só descobrimos essas identidades no final da história, ainda que eu desconfiasse de quem seria a vítima, mas não fizesse ideia de quem seria a pessoa culpada). Achei os motivos bem plausíveis e a forma como aconteceu também, e eu costumo dar pontinhos a mais para os autores quando eles conseguem concluir bem suas histórias. Entretanto, Ruth Ware fez sua protagonista tomar uma decisão que, na minha opinião, era totalmente descabida, pautada em uma conexão que não se sustentava. Selecione a frase seguinte se quiser ler: eu, no lugar de Rowan, jamais sacrificaria o que ela sacrificou pra proteger uma pessoa com quem eu convivi tão pouco tempo, independentemente dos laços sanguíneos. Ela recém havia conhecido aquela pessoa e, de qualquer modo, a justiça não faria nada com ela além de fornecer apoio psicológico. No lugar de Rowan, eu revelaria a verdade. Fim do comentário revelador rs.

A Volta da Chave é um livro com uma premissa que prometeu bastante, mas que não entregou aquilo que eu esperava. Rowan não é uma protagonista cativante. Senti empatia por sua situação e gostaria que ela tivesse um destino positivo em sua tentativa de convencer o advogado por meio das cartas, mas não pude deixar de me irritar com ela em vários momentos ao longo da leitura. Na minha avaliação, Ruth Ware pecou muito ao andar em círculos com sua história, além de misturar duas propostas muito diferentes que “competiram” entre si e não agregaram à obra. Infelizmente, não foi minha melhor experiência com a autora, então sigo recomendando A Mulher na Cabine 10 e A Morte da Sra. Westway – meus favoritos dela – pra quem quiser entrar em contato com sua escrita. 😉

Título original: The Turn of the Key
Autora:
Ruth Ware
Editora: Rocco
Número de páginas: 304
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Livro cedido em parceria com a editora.
Esse não é um publipost, e a resenha reflete minha opinião sincera sobre a obra.

Resenha: Tudo é Rio – Carla Madeira

Oi pessoal, tudo bem?

Pra mim, resenhas decepcionadas são sempre as mais difíceis de escrever. Afinal, é necessário ser cuidadosa com as palavras pra não ser injusta com o livro e, ao mesmo tempo, conseguir ser transparente sobre meus sentimentos com vocês. Quando o livro é hypado então, essa pressão aumenta ainda mais. Então saibam que o post de hoje envolve muito esforço, pois trata-se de uma resenha de Tudo é Rio, da Carla Madeira.

Garanta o seu!

Sinopse: Tudo é rio é o livro de estreia de Carla Madeira. Com uma narrativa madura, precisa e ao mesmo tempo delicada e poética, o romance narra a história do casal Dalva e Venâncio, que tem a vida transformada após uma perda trágica, resultado do ciúme doentio do marido, e de Lucy, a prostituta mais depravada e cobiçada da cidade, que entra no caminho deles, formando um triângulo amoroso. Na orelha do livro, Martha Medeiros escreve: “Tudo é rio é uma obra-prima, e não há exagero no que afirmo. É daqueles livros que, ao ser terminado, dá vontade de começar de novo, no mesmo instante, desta vez para se demorar em cada linha, saborear cada frase, deixar-se abraçar pela poesia da prosa. Na primeira leitura, essa entrega mais lenta é quase impossível, pois a correnteza dos acontecimentos nos leva até a última página sem nos dar chance para respirar. É preciso manter-se à tona ou a gente se afoga.” A metáfora do rio se revela por meio da narrativa que flui – ora intensa, ora mais branda – de forma ininterrupta, mas também por meio do suor, da saliva, do sangue, das lágrimas, do sêmen, e Carla faz isso sem ser apelativa, sem sentimentalismo barato, com a habilidade que só os melhores escritores possuem.

A história de Tudo é Rio gira em torno de três personagens, que formam um triângulo amoroso desequilibrado. Vamos começar pelo casal: Dalva e Venâncio se casaram muito jovens e completamente apaixonados, certos de que teriam uma vida plena e feliz pela frente. Porém, o ciúme doentio de Venâncio, mesclado aos seus traumas paternos, levou a uma tragédia sem precedentes: ao assassinato de seu próprio filho recém-nascido, tirado por ele dos braços de Dalva. Essa atitude brutal marcou o fim do amor dos dois e o início de seu calvário, pois a partir daquele minuto Dalva fez um voto de silêncio em relação a Venâncio e nunca mais lhe dirigiu um único olhar. A vida da jovem mãe-vítima enlutada foi tomada pela dor excruciante, enquanto a do pai-assassino, pelo arrependimento amargo. Com o passar dos anos, o corpo de Venâncio passou a pedir por alívio físico, o que nos leva ao terceiro elemento do triângulo amoroso: Lucy, uma prostituta residente da Casa de Manu, o prostíbulo mais proeminente da cidade, que se encanta por Venâncio justamente por sua recusa em dormir com ela. Acostumada desde jovem a ter todos os homens em sua mão, totalmente autoconsciente do efeito que causa, Lucy fica intrigada e ofendida quando Venâncio a rejeita. Para ele, quanto menos sedutora for a prostituta escolhida, melhor; ele só deseja minutos mecânicos de alívio. Lucy, porém, encara aquilo como um desafio, e torna Venâncio sua obsessão de vida, levando-a inclusive a uma competição pessoal contra Dalva. A relação entre os três culmina em consequências inesperadas e explosivas, tão feroz quanto um rio turbulento em dia de tempestade.

Apesar da premissa “simples”, o grande desenvolvimento de Tudo é Rio ocorre em torno da vida dos personagens. Pegando Lucy como exemplo: Carla Madeira dedica diversos capítulos a explicar para o leitor o motivo pelo qual ela gosta de ser puta. Sim, puta, escrito desse jeito mesmo. A autora narra a perda dos pais de Lucy ainda na infância, sua criação por uma tia que nunca lhe dedicou afeto, os anos em que ela nutriu cada vez mais rancor por aquela família que nunca de fato a acolheu… até que o flerte com seu tio de criação revelou seu desejo pelo prazer. Lucy ama sexo e a sensação do gozo, e quando percebe que consegue convencer os homens a fazerem o que ela deseja usando seu corpo pra isso, toma a decisão de ganhar dinheiro e fazer sua vida sendo prostituta. Mas não qualquer prostituta: ela quer ser a melhor, ela quer poder escolher os homens com quem se deita e ser dona das suas vontades. Porém, por mais que Carla Madeira dedique muitas páginas ao desenvolvimento de Lucy, pra mim foi impossível não pensar nela como uma mulher mimada e egoísta, que apenas pensa em si mesma e em mais ninguém. Durante 90% do livro todas as suas atitudes são baseadas em satisfazer apenas as próprias vontades, e ela desrespeita Dalva das piores maneiras, inclusive de forma criminosa e agressiva. Mesmo que na reta final Carla Madeira busque a redenção de Lucy, o que aliviou um pouco o peso da personagem pra mim, não foi alguém de quem consegui gostar.

De Dalva, por sua vez, só pude sentir pena. A tragédia que lhe acomete é narrada logo nos primeiros capítulos, então quando o passado romântico dela com Venâncio é narrado, o leitor sente uma dubiedade muito grande: ao mesmo tempo em que existem borboletas no estômago por ver um amor juvenil tão puro e intenso florescer, há também a angústia por saber como ele vai terminar. Esse é o grande dilema dos flashbacks, eles te mostram aquilo que ocorreu e dão um vislumbre de como tudo poderia ter sido, mas você já sabe que o final – ou pelo menos parte dele – não é tão feliz assim. Porém, ao mesmo tempo que senti pena e empatizei com Dalva, também quis sacudi-la pelos ombros. Os sinais do ciúme de Venâncio estavam claros, e ela os ignorou logo após terem ocorrido. É de enervar.

Como não dedicar um parágrafo a Venâncio? Impossível falar dele sem falar das minhas principais críticas ao livro: o final forçado de filme da Disney e a mensagem como um todo. Esse parágrafo, como um todo, traz spoilers, porque preciso falar sobre determinados acontecimentos pra explicar melhor meu ranço a respeito do livro, então fica o aviso. Vamos lá: para mim, Carla Madeira negligenciou o peso da atitude de Venâncio e suavizou a violência por ele cometida, além de recompensar um homem machista e autocentrado. Evidência um: o personagem se rende a Lucy e a engravida, aceitando que Dalva cuide do bebê que ele tem com a prostituta, mas admite em pensamento que não aceitaria a mesma situação caso fosse Dalva a engravidar de outro. Conveniente que sua esposa cuide do bebê que você teve com uma puta, não é mesmo? Mas se você a ama tanto quanto diz, por que não seria capaz de assumir o bebê que ela teria com outro? O machismo escorre de cada gota de suor de Venâncio, de cada lágrima que ele derrama, e isso nunca vai mudar. O que me leva ao final forçado: quando descobrimos, da maneira mais inverossímil possível, que o filho de Dalva e Venâncio está vivo – o que é a informação mais sem pé nem cabeça que existe, tirada do nada, e invalida toda a construção dramática feita durante toda a obra –, o livro simplesmente nos conduz para o perdão de Venâncio. Quando Dalva vê o marido sendo capaz de amar o bebê que teve com Lucy, ela percebe que ele não será violento com seu primogênito e resolve perdoá-lo, fazendo com que todos sejam uma “grande família feliz” (incluindo Lucy nessa conta). Eu não sei vocês, mas quando li essa sequência de acontecimentos fiquei tão embasbacada com a falta de credibilidade que não consegui assimilar o que estava lendo. Depois de jogar seu bebê longe (literalmente) por ciúmes e te espancar, depois de viver anos sem perdoar seu marido mesmo sabendo que seu bebê sobreviveu, você decidiu perdoá-lo, Dalva? Por favor, né. Sinceramente, eu preferiria um final em que ela tivesse pegado os filhos e ido pra perto da família recomeçar a vida, bem longe de Venâncio.

Bem, lá no início do post falei que não queria ser injusta, lembram? Então preciso ressaltar que a autora fez um ótimo trabalho em desenvolver as motivações secundárias, o papel dos coadjuvantes e os sentimentos de seus personagens. O passado traumático de Venâncio com um pai violento é fundamental pra que o leitor possa entender seus comportamentos e sua incapacidade de ser um pai amoroso; a família de Dalva é parte importante na história, e existem capítulos dedicados aos seus pais e à forma como a dinâmica entre eles funciona, de modo que a interação deles com a própria Dalva ganhe mais profundidade e importância; até mesmo personagens que só vamos conhecer no final do livro ganham uma certa “história de origem” ao serem introduzidos, o que dá ao leitor uma sensação de que realmente os conhecemos. Gostei do fato de Carla Madeira fazer essas pequenas introduções aqui e ali, com desenvolvimentos pontuais quando necessário, porque fez com que os poucos personagens apresentados na história não parecessem dispensáveis.

Tudo é Rio é um livro que se destaca por ser muito bem escrito em termos de fluidez narrativa, e Carla Madeira usa belas palavras pra compor frases poéticas que te marcam e fazem você querer destacar várias passagens ao longo da obra. Mas, pra mim, é isso. Acredito, inclusive, que essa beleza das palavras da autora causa a sensação de que a história em si é melhor do que ela é. Pra mim, foi uma decepção perceber que eu estava lendo um enredo que recompensava um homem machista e violento, em cuja história de redenção não consegui acreditar. Infelizmente pra mim, o hype dessa obra me atingiu em cheio, mas não como um banho gostoso, tranquilo e relaxante, e sim como uma onda desordenada que deixa sem vontade de querer mergulhar de novo. Se lerei Carla Madeira novamente, o tempo dirá.

Título original: Tudo é Rio
Autora:
Carla Madeira
Editora: Record
Número de páginas: 208
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Resenha: As Garotas Que Eu Fui – Tess Sharpe

Oi pessoal, tudo bem?

Após ver muitos elogios no bookstagram, estava com as expectativas bem altas pra ler As Garotas Que Eu Fui, um thriller psicológico com um público-alvo mais adolescente que em breve vai virar filme da Netflix. Vamos conhecer?

Garanta o seu!

Sinopse: O nome dela é Nora… no momento. Ela já foi muitas outras garotas: Rebecca, Samantha, Haley, Katie e Ashley. A vida de mentiras não foi sua escolha, e sim sua herança enquanto filha de uma golpista. A criminosa, cujos alvos sempre foram homens fora da lei, usava a filha como acessório em todos os seus trambiques. Mas quando um dos esquemas da mãe se transformou em paixão, Nora resolveu que era a sua vez de aplicar um golpe e desapareceu. Já faz cinco anos que Nora finge ser normal, mas ela sabe que, na sua vida, as coisas nunca permanecem calmas por muito tempo. Em meio a uma situação que já era esquisita, junto com o ex-namorado e a amiga deles (com quem ela está saindo atualmente), Nora se vê vítima de um assalto a banco. Por um lado, ela sabe que tem a lábia necessária para tirar os reféns vivos dali. Por outro, os assaltantes não sabem quem ela realmente é – uma garota que tem muito a esconder…

Considerando que a sinopse resume bem o cerne da história, vou partir direto para minhas impressões a respeito do livro. A narrativa de Tess Sharpe é bastante ágil, e o primeiro ponto positivo a me chamar a atenção foram os capítulos curtos, que conferem dinamismo à história. Nora, sua namorada Iris e seu ex-namorado/melhor amigo Wes se veem vítimas de um assalto a banco junto de algumas poucas pessoas e toda a história no tempo presente se passa em torno da angústia dos personagens de não saberem se irão ou não sobreviver à situação. Os assaltantes – apelidados por Nora de Boné Cinza, o líder, e Boné Vermelho, o lacaio – são violentos e estão sem máscara, o que a leva a crer que não têm nada a perder. Isso faz com que os instintos de sobrevivência da protagonista se ativem na potência máxima, trazendo seu passado (e sua identidade como golpista) à tona, algo que até então apenas Wes conhecia. Entre o drama de Iris descobrir o seu segredo e Nora tentar enganar os bandidos na lábia, a autora também nos leva à melhor parte da história: os flashbacks das identidades anteriores da protagonista, todas as garotas que sua mãe a obrigou a ser desde a mais tenra idade para auxiliá-la a enganar os piores tipos de homens.

Nora cresceu sendo usada pela sua mãe, Abby, uma mulher que ganhava a vida dando golpes do baú em homens criminosos. E Nora não foi a primeira a ser criada assim: sua irmã mais velha, Lee, veio antes dela, e passou por atrocidades tão ruins quanto. Foi graças a Lee que Nora pôde escapar das garras da Abby, pois ela bolou o plano que permitiu colocar a mãe e o marido atrás das grades e conseguir a guarda da irmã. Esse marido foi a chave para a liberdade de Nora, mas também é a grande ameaça que paira sobre sua cabeça: o nome dele é Robert Keane, um criminoso de grande interesse do FBI, responsável por crimes como assassinatos, chantagem, corrupção, tráfico, etc. Contudo, mesmo da prisão ele ainda exerce grande poder sobre sua rede de contatos, e se descobrir que a enteada ainda está viva, certamente mandará alguém atrás dela para matá-la. Robert foi o único homem que Abby amou, e ela o colocou à frente do bem-estar da própria filha. Ela permitiu que Robert as agredisse, as controlasse e, se ele quisesse, também permitiria que as matasse.

Mas Robert não foi o único homem que marcou a vida de Nora com violência. Inclusive, esse é um gatilho importante de ser mencionado: As Garotas Que Eu Fui é um livro essencialmente sobre abuso. Nora sofreu todos os tipos de violência possíveis, da psicológica à física e à sexual. Mas se você pensa que apenas os homens que eram os alvos dos golpes do baú de Abby foram responsáveis por ferir a protagonista, devo dizer que você está enganado. Talvez a principal pessoa a machucá-la profundamenta seja justamente sua mãe. Considero o abuso parental essencial de ser discutido, porque a influência de Abby é sentida em cada linha e em cada reflexão da narração de Nora. O leitor percebe que a protagonista deseja a aprovação da mãe mais do que tudo na vida, que ela foi uma criança que queria agradar a todo custo, que desejava ser amada e ser fonte de orgulho para Abby, mesmo que fosse tratada como um mero acessório nos golpes. Abby fez com que Nora dissociasse de sua personalidade, forçando-a a ser uma criança que assumia diferentes identidades e características a seu bel-prazer, de acordo com seu objetivo e com o homem que queria conquistar. Pior: Abby permitia que Nora fosse vítima de violências variadas ao longo dos anos, e a fazia se sentir culpada caso não aguentasse suportar alguma delas. O nível de distorção psicológica que isso causa na protagonista é muito profundo, e a autora toma a decisão acertada de mostrar que Nora precisa de ajuda e de muita terapia pra começar a superar essas feridas abertas.

O passado de Nora e as consequências psicológicas do abuso são tão interessantes que acabam tendo um revés meio negativo no livro: o plot do assalto a banco se torna desinteressante. Não existe um verdadeiro plot twist muito marcante nem uma sensação que cause verdadeira aflição nos capítulos em que Nora interage com os bandidos. Eu, pelo menos, não senti nenhuma sensação parecida durante essas cenas. Parte do meu desinteresse com esse plot também envolve meu desinteresse nos personagens envolvidos nele: Iris, por exemplo, eu achei um tédio. Ela é o estereótipo de Manic Pixie Dream Girl e, mesmo que a representatividade bissexual seja um ponto super positivo, não consegui comprar a paixão entre as duas e a química simplesmente não rolou. A conexão com Wes foi muito mais verdadeira, e a autora dedicou muito mais tempo em construir o elo entre Nora e ele do que entre Nora e Iris, por mais que ela tente forçar o amor entre as duas. Wes, além de ter sido o primeiro amor dela e o primeiro homem do qual ela não precisou se proteger, também foi uma pessoa que compartilhou da mesma dor que ela – a dor do abuso parental. A profundidade da relação dos dois me convenceu bem mais e, mesmo como amigos, gostei muito mais da interação deles, o que me fez achar que Iris era um elemento bastante dispensável.

As Garotas Que Eu Fui é um livro que poderia ser um pouco mais curto, especialmente no plot do banco, que achei que se arrastou por tempo demais. Entretanto, gostei muito de toda a história do passado de Nora e da forma como Tess Sharpe trabalhou o enredo de uma criança crescendo como filha de uma golpista e as consequências de ser moldada por uma mãe narcisista. Apesar das frases de efeito de Nora sobre ser perigosa (que por vezes me cansavam um pouco rs), eu gostei bastante dela como personagem. Ela é muito humana, tem empatia, ainda luta contra os próprios traumas e suas reações fazem sentido. Além disso, ela não é idealizada, tendo defeitos e pequenas falhas de caráter que me fizeram gostar ainda mais dela, justamente por mostrar que ela não é perfeita e nem deseja ser. Apesar do final aberto (característica da qual eu não gosto muito), a autora passa uma mensagem clara: Nora está pronta para a luta, assim como a maioria de nós, mulheres, somos ensinadas desde muito cedo a estar. Apesar de não ser um livro inesquecível, gostei muito de conhecer Nora e fiquei orgulhosa de ver quão longe ela chegou no seu processo de cura. 🙂

Título original: The Girls I’ve Been
Autora:
Tess Sharpe
Editora: Rocco
Número de páginas: 352
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Livro cedido em parceria com a editora.
Esse não é um publipost, e a resenha reflete minha opinião sincera sobre a obra.