Criminal: UK e sua problemática segunda temporada

Oi pessoal, tudo bem?

Esse é um Dica de Série e ao mesmo tempo não é. Recentemente assisti à versão britânica de Criminal (que tem versões na Espanha, na França e na Alemanha também) e curti muito a proposta: cada episódio é focado em um acusado que um grupo de detetives precisa interrogar. E Criminal: UK já inicia com um nome de peso, David Tennant, na posição do acusado – cuja interpretação foi, como sempre, brilhante. Durante a primeira temporada, fiquei muito empolgada com cada trama. Eram acusações diversificadas, com backgrounds distintos e ainda assim muito atuais: enquanto no episódio de David a investigação era o abuso e o assassinato de uma adolescente, no segundo episódio falou-se de violência doméstica e, no terceiro, imigração ilegal. Até que chegamos à segunda temporada e… Bom, pra conseguir problematizá-la, terei que dar spoilers, ok?

Sinopse: Numa sala de interrogatório em Londres, investigadores questionam suspeitos de crimes hediondos até que a verdade seja revelada.

O hype em cima da última season vem acompanhado de um nome ilustre no elenco: Kit Harington, pouco depois de ter finalizado Game of Thrones. Em seu episódio, Kit interpreta um empresário sendo acusado de estupro por uma de suas funcionárias. Acontece que, para a surpresa do espectador, descobre-se que ela fez uma falsa acusação para conseguir dinheiro. Sim. Isso mesmo. A série faz um episódio inteiro focado em um homem de poder sendo falsamente acusado de estupro.

E antes que vocês me acusem e digam que isso acontece na vida real: eu sei. Existem sim difamações, calúnias e falsas acusações. Mas a proporção, gente, é absurdamente discrepante. E quando uma série de amplo alcance (por estar na Netflix) escolhe justamente esse olhar enviesado pra abordar algo que costuma ser exceção, temos um problema. Argumentos como “a denúncia acabou com a vida do cara” e “mas como ela vai provar que não foi consensual?” são um desencorajamento a mulheres que têm medo de denunciar seus agressores. Porque, em geral, a mulher não sofre apenas na mão do abusador; ela sofre de novo na mão do Estado e da mídia ao ter sua história questionada e inúmeras vezes repassada. Lembram de Inacreditável? A minissérie, que dramatiza fatos reais, é um tapa na cara que mostra o quanto estamos despreparados enquanto sociedade pra lidar com a dor das vítimas de abuso sexual – e o impacto negativo que não dar o devido crédito ao relato causa.

E, quanto ao argumento de que uma denúncia dessas “acaba com a vida de um homem”, bom… O goleiro Bruno conseguiu emprego mesmo após esquartejar a mãe de seu filho e dar os pedaços pros cães comerem, né? Até publi ele já fez. 🙂 E o Robinho? Só teve seu contrato com o Santos pausado após muita pressão popular.

Mas tá, até o momento tinha sido apenas um episódio de Criminal: UK a me causar desconforto. Seguimos, certo? Cheguei então no episódio seguinte, em que uma mulher é acusada de difamação ao usar seu site para acusar homens de pedofilia. O episódio é bastante chato, o plot twist no final é sem pé nem cabeça mas o foco aqui é: a dona do site acusou um homem de maneira errônea e causou graves consequências à sua vida.

É óbvio que acusar as pessoas sem provas é errado. No caso do episódio, a mulher era uma desocupada que fazia as vezes de justiceira na internet. E, de fato, ela trouxe problemas enormes para a vida de um homem inocente, o que é bastante condenável. Entretanto, a causa maior de desconforto aqui foi, novamente, em episódios consecutivos, ver uma mulher na posição de falsa acusadora. A segunda temporada da série, roteirizada por homens, parece gostar de colocar suas personagens femininas em um papel de “destruidoras de vidas”, o que corrobora em muito para a visão deturpada que muitos ainda têm e que se reflete diretamente em casos de estupro e abuso, como debati mais acima.

Eu não sou contra colocar mulheres em papel de vilania, pelo contrário. Acho importante romper o estereótipo angelical, afinal, mulheres também são capazes de atrocidades por pura maldade. Mas eu sou MUITO contra o uso de estereótipos deturpados e machistas que causam impactos reais na vida de muitas de nós. Usar o espaço midiático e o amplo alcance pra reforçar esse tipo de visão é problemático e, diria também, misógino: qualquer mulher vítima de abuso que não teve coragem de denunciar, por exemplo, pode assistir a essas tramas e se sentir ainda pior, sabendo que o Estado e a sociedade não iriam acreditar nela.

Então, por mais que Criminal: UK tenha atuações incríveis e uma ótima primeira temporada, não é o tipo de série que eu vá panfletar. Prefiro indicar e fortalecer tramas como a já citada Inacreditável, que faz um trabalho impecável em mostrar o ponto de vista da vítima e a diferença abismal entre a abordagem masculina e a feminina no que diz respeito à sensibilidade quanto a vítimas de estupro. Se tiverem que escolher uma dessas séries para a sua próxima maratona, sugiro que escolham a segunda.

Título original: Criminal: UK
Ano de lançamento: 2019
Criadores: Jim Field Smith
Elenco: Katherine Kelly, Lee Ingleby, Rochenda Sandall, Mark Stanley, Shubham Saraf, David Tennant, Kit Harington, Hayley Atwell, Sharon Horgan, Kunal Nayyar

21 comentários sobre “Criminal: UK e sua problemática segunda temporada

  1. Olá,
    Tennant tá com tanto lançamento nesse ano que tá difícil acompanhar kkkk
    Eu ainda preciso assistir a s1 mas bem problemática a ideia desses episódios citados. Nem uma amiga pra avisar, ein Netflix.

    até mais,
    Canto Cultzíneo

  2. Oi, Priih. Tudo bem?
    Esse é um seriado que passou despercebido por mim e quando comecei ler seu texto achei mesmo que seria algo que ficaria empolgada já que gosto muito de história de crimes. Concordo muito com você sobre o número discrepante desse caso invertido e como é infeliz usar a mídia para dar foco de forma irresponsável.

    Beijos, Vanessa
    Leia Pop

  3. Eu odeio quando abordam uma assunto tão delicado como o estupro de uma forma dessa. Frisam na cabeça das pessoas que toda vez que uma mulher acusa um homem (vemos isso muito com famosos) poderoso, ela apenas quer lucrar com isso.

    Beijinhos
    Renata

  4. Olá, Priih.
    Eu ainda não conhecia essa série e talvez assista a primeira temporada. porque a segunda vou passar longe. Infelizmente é tão dificil para mulheres que passam por essa situação conseguir fazer uma denuncia porque geralmente a vitima se acha culpada e ainda vem colocar esse tipo de coisa em uma série? Acontece, sim. Mas é uma em um milhão onde o homem realmente é o inocente e escolhem mostrar justo isso?

    Prefácio

  5. Oi, Priih!

    Vi o trailer dessa série uns dias atrás e adorei, pois gosto muito do tema. Confesso que agora fiquei desanimada para assisti-la, mas foi bom saber de todos esses aspectos negativos antes (é realmente problemático e absurdo o modo como eles representam determinadas situações, pois acaba reforçando visões erradas e/ou estereótipos). Então, irei assistir apenas à primeira temporada.

    Beijocas.
    https://artesaliteraria.blogspot.com/

  6. Não apenas o caso do Robinho e do Goleiro Bruno, mas lendo seu post eu me lembrei também do caso entre o Neymar e a moça que o acusou de estupro, confesso que não acompanhei nos mínimos detalhes, mas acabou que o jogador foi inocentado, aparentemente a mulher havia inventado história para tirar dinheiro do Neymar.
    Sinceramente, eu acho legal que a série coloque em discussão o assunto da difamação e falsa acusação, pois como você mesma diz no texto, sabemos que isso acontece na vida real, por isso é necessário que a justiça tenha equilíbrio. Mas é claro… não dá pra perdoar uma série que tem como roteiro “vilanizar” as mulheres de forma recorrente.
    Gostei do seu post, e se eu tiver que escolher uma série pra assistir, passarei longe dessa.
    Beijo, Blog Apenas Leite e Pimenta ♥

  7. Amei o post. Eu odeio de um jeito essas séries que fazem um desserviço, pq todo mundo fala sobre não deslegitimar a vítima, ter empatia, não culpabilizar e bem uma série jogando tudo no lixo e servir de argumento pra gente que diz que “mulheres gostam de inventar”.
    Ainda bem que nunca quis assistir a série
    Beijos

  8. Oiii Prih

    Entendi teu ponto de vista e concordo com o que vc disse, esse argumento que a série aborda na parte do Kit H é complicado. E o velho bordão “acabou com a vida dele” é relativo como vc bem exemplificou com o caso do goleiro Bruno e mais famoso ainda o Robinho que só deu no pé do Santos porque a repercussão foi muito forte e vazou o audio, senão seguramente seria um dos “craques” da temporada fácil… Apesar dos apesares até quero conferir essa série, primeiro a versão da Espanha pra ser sincera, e depois essa da UK, quando der um tempinho ja anotei pra assistir.

    Beijos, Ivy

    http://www.derepentenoultimolivro.com

  9. Oii, Priih ❤
    Não conhecia a serie, mas não curto muito esse cenário criminal e ainda mais uma narrativa que reforça estereótipos negativos e não faz nenhuma crítica. Pelo que você disse da série parece um tanto tendenciosa mesmo
    Beijoss, Blog Seja Agridoce ♥️♥️♥️

  10. Eu comecei a ver Criminal da Espanha, se não me engano, mas acho que não entendi a mensagem e desisti antes de fechar a primeira temporada. Depois eu vi várias versões de outros países, mas não animei de ver, pois achei que ficaria decepcionada também. Eu concordo contigo, não curti como as mulheres foram tratadas nessa série. Tá certo que mulheres não são anjos e podem muito bem cometer crimes, mas só elas o tempo inteiro, como se os homens fossem as verdadeiras vítimas o tempo inteiro, é sacanagem.
    Não curti e não vou nem ver, para não passar raiva com essa série… =/
    Bjks!

    Mundinho da Hanna
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  11. Oi Pri, tudo bem?

    Uma pena a série abordar um tema tão complicado de forma superficial. Eu também ficaria bem incomodada com isso, mas se pensarmos bem isso não está tão longe de nossa realidade, infelizmente…

    Não conhecia a série, ou ao menos não lembro de nenhuma divulgação sobre. Vou indicar a série para a minha mãe, pois ela gosta bastante de séries do gênero.

    Beijos e um ótimo final de semana;*
    Ariane Reis | Blog My Dear Library.

  12. Oii Priih!
    Interessante a reflexão a respeito dessa série. Eu não a conhecia, mas concordo que é uma tema delicado para ser abordado dessa forma. O problema não é nem o fato de estruturarem o episódio abordando o homem como vítima de uma falsa acusação de estupro, mas o fato de vivermos numa sociedade que não sabe lidar isso. Temos a liberdade criativa, o que é fantástico e deve ser valorizada, mas não temos ainda maturidade para processar de forma saudável esse tipo de abordagem. Quem sabe com o tempo as diferentes perspectivas da realidade possam trazer reflexões saudáveis para as pessoas.
    Ótimo fim de semana!
    Bjos

    • Oi Prih… Que bom que achei seu site… Estou na terceira temporada e percebi que a série é extremamente tendenciosa e preconceituosa… A única pessoa até agora inocente foi UM HOMEM ACUSADO DE ESTUPRO… Qto absurdo…
      Detestei… Tem várias reflexões mas nem vou me dar o luxo de ficar aqui falando… Só vou dizer q vc está de parabéns de ter nos dado a possibilidade de ter acesso a sua experiência com a série e suas reflexões. Brigada

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