Oi pessoal, tudo bem?
Após uma ótima experiência com Sono, parti para minha segunda leitura de Haruki Murakami: Sul da Fronteira, Oeste do Sol. 😀
Sinopse: Nascido em 1951 em um subúrbio de Tóquio, Hajime chegou à meia-idade tendo conquistado tudo que queria. Os anos do pós-guerra trouxeram-lhe um bom casamento, duas filhas e uma carreira invejável como proprietário de dois clubes de jazz. No entanto, ele não consegue se desvencilhar da sensação incômoda de que nada daquilo traz felicidade para sua vida. Somada a isso, uma memória de infância de uma garota inteligente e solitária cresce em seu coração. Quando essa colega do passado, Shimamoto, aparece em uma noite chuvosa, Hajime não consegue mais permanecer no cotidiano com o qual se acostumou. Shimamoto tem uma beleza de tirar o fôlego, mas guarda um segredo do qual não consegue escapar. Em Sul da fronteira, oeste do sol, Murakami constrói uma narrativa de lirismo requintado sobre a simplicidade da vida de um homem, permeada por sucessos e decepções.
O livro é narrado por um homem na faixa dos 30 anos, Hajime. Nascido nos anos 50, em uma época na qual era comum que famílias japonesas tivessem mais de um filho, o fato dele ser filho único foi uma característica marcante de sua formação. O receio de ser lido como introspectivo e egoísta o preocupava já na infância, mas ele encontrou compreensão e acolhimento na amizade mais significativa que fez: com uma menina chamada Shimamoto. A jovem também era filha única e esse fato parece ter sido a primeira fagulha de conexão entre os dois. Somado a isso, Shimamoto tinha um problema na perna que atrasava sua locomoção, tornando-a uma garota bastante sozinha. Os melhores amigos são separados quando a família de Hajime se muda, e o leitor passa diversos capítulos sem ouvir falar de Shimamoto enquanto o protagonista conta sobre os anos seguintes, do ensino médio até a entrada na faculdade e a chegada aos 30 anos. É nessa circunstância que Shimamoto reaparece em sua vida, bagunçando o status quo e a estabilidade que Hajime finalmente parecia ter alcançado em sua vida adulta.
A vida de Hajime não tem nenhum elemento particularmente fantástico, mas a forma como Murakami conduz a narrativa torna o ordinário interessante. A fluidez das palavras e das lembranças do protagonista faz com que seja muito fácil passar as páginas, ainda que Hajime não seja um personagem do qual eu tenha gostado muito. Mas talvez justamente por expor todas as suas falhas é que o narrador se torne tão palpável e humano aos olhos do leitor. Ainda assim, é importante frisar que, apesar de ser natural cometermos erros, as escolhas de Hajime que mais me incomodaram tiveram relação com sua infidelidade às mulheres com quem se relacionou.
O final da adolescência de Hajime foi marcado por uma traição imperdoável à sua primeira namorada e, como uma espécie de sina, ele passou os “20 e poucos anos” em uma solidão e apatia infindáveis. Somente quando conhece sua atual esposa, Yukiko, é que Hajime encontra motivação e propósito: além de se apaixonar por ela, ele também conta com o incentivo do sogro para abrir um bar de jazz. Hajime prova-se muito competente administrando o local, a ponto de expandir os negócios e se tornar um empresário bem-sucedido. É nessa fase da vida, em que Hajime tem uma esposa, duas filhas e dois bares para administrar, que Shimamoto entra em contato. Sua aparição é rodeada de mistérios, e ela pede um favor pessoal que não teve coragem de pedir a mais ninguém – que Hajime obviamente não consegue negar.
O dilema do protagonista sobre o estigma do egoísmo de filho único pode ser visto na forma como ele se relaciona com todas as mulheres de sua vida, excetuando Shimamoto. Em nenhum momento o leitor tem vislumbres mais profundos sobre Yukiko, por exemplo, e o único momento em que sua esposa ganha voz é também o momento em que Hajime precisa enfrentar suas próprias fraquezas, sendo a minha passagem favorita do livro. Mas existem páginas e mais páginas dedicadas à obsessão de Hajime pela amiga/paixão de infância. Um dos motivos pelos quais o protagonista relata ter dificuldade em se vincular a mulheres que conheceu diz respeito a não ver nelas algo “especial”, algo que seja “feito só para ele”. E aqui se apresenta mais uma das características nada palatáveis do narrador: a forma como ele projeta nas mulheres aquilo que ele busca, desumanizando-as e fazendo com que elas precisam atingir esse objetivo que ele tanto busca (e que aparentemente apenas Shimamoto está à altura).
E mesmo sobre essa mulher tão importante em sua vida nos é revelado pouco. Ela é um mistério por si só, e é a protagonista dos devaneios de Hajime. Ele passa os dias imaginando quando Shimamoto virá ao bar novamente e se põe a divagar sobre como seria sua vida se tivesse tomado decisões diferentes que o aproximassem dela. Por meio de seus questionamentos, Murakami leva o leitor a refletir sobre os próprios “e se?” que a vida apresenta. E se eu tivesse mantido contato com uma pessoa importante? E se eu tivesse feito escolhas diferentes? Nenhum de nós, e nem mesmo Hajime, tem essa resposta, porque simplesmente não podemos mudar aquilo que já foi percorrido.
Ainda que Sono tenha sido uma leitura da qual gostei mais, Sul da Fronteira, Oeste do Sol foi mais uma experiência positiva lendo Haruki Murakami. O autor é muito bom em nos conduzir por reflexões existenciais e nos fazer questionar nossas decisões e trajetórias de um jeito bastante relacionável. Ainda que Hajime seja um personagem cheio de falhas, ele é também muito real e humano, o que torna possível a identificação. Se você busca por um livro que não se revela de imediato, mas que aos poucos vai desnudando as questões interiores dos personagens, essa é uma boa escolha. Recomendo. 😉
Título original: Kokkyō no minami, taiyō no nishi (国境の南、太陽の西)
Autor: Haruki Murakami
Editora: Alfaguara
Número de páginas: 177
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